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14 dezembro 2012

Outra escola, outras crianças mortas


Os americanos, assim como nós, têm muito o que repensar sobre si.
Algo muito errado, diabolicamente errado deve estar acontecendo
em um país que vive de chacina em chacina.
Sim, o Brasil é violentíssimo e a gente sabe muito bem.
Mas isto de abrir fogo sobre crianças em escolas
é simbólico demais, mesmo em sua loucura, para ser explicado somente como violência ou dor.
Deu errado a tal civilização ocidental?

10 dezembro 2012

A falta de água, o Universo, nós


Estou lendo as queixas (justas) dos meus amigos/as de São Leopoldo com relação a falta de água. Com um calorão destes a coisa fica bem pior.
Meus alunos de Porto Alegre não sabem, mas fui durante 10 anos professor de História e Geografia, e sempre tratei da questão da água e do Rio dos Sinos.
Quando falava, lá por 1996, que iria faltar água no futuro na cidade alguns alunos davam risada e diziam que o "sor é louco"...
Pois o futuro chegou. E não apenas em São Leopoldo. A falta de água é um drama em todo o Rio Grande do Sul, maior em algumas regiões.

Não podemos culpar os deuses ou a Natureza.

O desperdício, a monocultura, o consumo desenfreado..tudo isto somado só pode levar à escassez da água potável no planeta. E embora saibamos disto há muito tempo, o sistema continua nos empurrando a ideia de que só seremos felizes se consumirmos mais e mais. Assim vamos acabando com a vida, a nossa inclusive.

Nós somos parte da Natureza e existimos em um planeta que funciona mais ou menos como uma nave fechada, perdida num Universo que sequer sabemos se tem fim ou não.
Não somos o centro da Terra, muito menos do Universo.
Os animais são tão terráqueos quanto nós.
A crença de que somos mais importantes que tudo é velha e não dá mais bons frutos.
Uma mudança radical de postura poderia diminuir o impacto que causamos. Mas não creio que estejamos interessados nisto. Somos estúpidos demais.

23 novembro 2012

Crianças perigosas


Raul Seixas falando sobre o que esperava para o ano de 1988. Que registro precioso.

16 novembro 2012

Uma música que me define


Na última madrugada encontrei esta raridade.
Me dei conta que a procurava há mais de 20 anos! Tocava eventualmente na antiga rádio Ipanema, de Porto Alegre, que foi um dia o ponto de encontro de todos os alternativos do planeta.
Sabia que era do Kronos Quartet, mas não a encontrava nos cds do grupo. Descobri que se trata de um cover de uma banda punk dos anos setenta (Television). Contestação e erudição, uma síntese difícil de ser encontrada...

Você sabe o que é ter uma música viva na memória, intensa, mesmo sem ouví-la há mais de uma década?

Pois se uma música pode definir a gente, aí está a minha.

06 novembro 2012

Eleições nos EUA

Me emociona este fervor todo com que muitos jornalistas brasileiros fazem a cobertura das eleições nos Estados Unidos. Muito lindo tudo isto. Via de regra, todos falam a mesma coisa. Se você ler um site qualquer, já leu praticamente tudo que eles dizem ou virão a dizer. Cópia da cópia.
Engraçado este fervor todo com "a maior democracia do mundo".
Hoje pela manhã um jornalista exaltava o fato de que "eles são democratas radicais", porque permitem que qualquer um seja candidato a presidente. Isto é uma falácia, porque a democracia não se resume a nomes que aparecem em uma lista para votar. De que adianta, por exemplo, aparecer um "Elenilton" na cédula de votação se você nunca ouviu falar dele, e nunca saberá quem é ele? E por quê? Porque só tem espaço quem é financiado pelos grandes conglomerados econômicos.

A campanha americana é dominada pelas grandes corporações, que se dividem em apenas dois grandes partidos políticos. As diferenças existem entre eles, mas são mínimas. No frigir dos ovos "tudo vira bosta", como disse a Rita Lee.
É uma democracia de controle, direcionada, como em geral são as democracias pelo mundo. O poder do cidadão comum é quase nulo. Basta surgir um multimilionário como candidato a qualquer coisa, e seu poder é maior do que 50 milhões de pessoas.
O velho poder do capital, a velha fórmula.

Estranho ainda que a cobertura da eleição de outro pais é melhor do que a nossa própria eleição, que se resume a divulgar as tais pesquisas eleitorais.
Há ainda uns chatos conservadores (eu penso aqui no Rio Grande do Sul) que fariam melhor se mudassem para os Estados Unidos. Tudo lá é melhor, mais lindo, perfeito...então por que ainda vivem no Brasil? Talvez porque não queiram se transformar em "chicanos", subempregados num país de alto índice de desemprego.


31 outubro 2012

Manchete infeliz

Hoje o jornal Zero Hora estampou uma de suas mais infelizes manchetes:
"Uma tempestade de U$ 35 bilhões".

Diante de uma tragédia, colocar o dinheiro como notícia mais importante é algo no mínimo discutível.
As perdas econômicas jamais são o que há de mais importante quando há vidas em jogo.
No caso do furacão (ou ciclone) que chegou à costa americana, não há porque ser diferente.

Entretanto, em Cuba o mesmo ciclone teria causado 11 mortes. E você precisa ser muito bem informado para saber disto. Simplesmente porque Cuba não está nas manchetes. 
Perguntar não ofende: a vida de um americano vale mais que a de um cubano? 

24 outubro 2012

O ser que me continua

Toumani Diabaté é de Mali. Conheci sua música há alguns anos, pesquisando sobre música africana. É um dos grandes.
Vale muito conhecê-lo, conhecer a música da África. Conhecer a África, da qual não sabemos nada.
Surpresa agradável o encontro dele com os brasileiros Arnaldo Antunes e Edgard Scandurra, que já fazem a minha cabeça desde sempre.
E esta letra, "Que me continua", acabei interpretando como um presente de aniversário.


20 outubro 2012

Buñuel fala do mistério

"Escolhi meu lugar, é dentro do mistério. Resta-me respeitá-lo.
A fúria de compreender e, por conseguinte, de apequenar-se, mediocrizar-se - fui espezinhado a vida inteira com perguntas imbecis: por que isto? por que aquilo? - é um dos infortúnios de nossa natureza. Se fôssemos capazes de entregar nosso destino ao acaso e aceitar sem angústia o mistério de nossa vida, uma certa felicidade poderia estar próxima, bastante semelhante à inocência."

Luis Buñuel, um dos grandes cineastas da história, espanhol, no livro "Meu último suspiro" (Ed. Cosac Naify, pág. 246).

Se aparecesse ao final a assinatura de Nietzsche, não causaria nenhum espanto a quem o conhece - o filósofo.
A aceitação do deus acaso, da imaginação e a valorização da vida é parte do que me alia aos dois.

18 outubro 2012

Nietzsche e a solidão (anotações)


O solitário
Zaratustra é um solitário não porque viva como um eremita, mas porque é um criador. Vale lembrar que há uma espécie de inversão na ideia da caverna, tão cara para os professores e a educação no Ocidente. Na alegoria de Platão, a caverna corresponde à ignorância das trevas e cabe aos filósofos serem como aquele que rompeu os grilhões e saiu para ver a luz do sol, da razão.
Em Nietzsche a caverna é exatamente para onde vai o criador. Zaratustra sobe até a caverna, onde ficará por dez anos solitário. No caminho é visto por um velho que percebe que ele está carregando cinzas. Provavelmente são as cinzas do Deus morto. Destas cinzas ele produzirá chamas. Em outras palavras, do niilismo passivo da perda total do sentido ele criará outros valores e ações que valorizem a vida através de um niilismo ativo, criador.
A solidão dele não é isolamento, é criação. E sempre se dá no alto, pois somente o solitário pode suportar as vertigens que a altitude provoca.
Ser solitário é poder dar a si mesmo o seu bem e o seu mal, criar seus próprios valores. Em vez de perder-se em meio à homogeneidade das multidões, do rebanho, ele escolhe a singularidade da solidão dos cumes. É nela que pode buscar a superação dos valores demasiado humanos das massas, o caminho para o além-do-homem ou super-homem.
Por paradoxal que pareça, os discípulos de Zaratustra são exatamente os solitários, os que se elegeram a si próprios, aqueles que servirão como pontes para o além do humano:
“Quedai-vos vigilantes e à escuta, ó solitários! Chegam ventos, do futuro, com misterioso bater de asas; e trazem boa nova aos ouvidos finos.
Vós, os solitários de hoje, os segregados, sereis, algum dia, um povo; de vós, que vos elegestes a vós mesmos, deverá nascer um povo eleito, e dele – o super-homem.” (Da virtude dadivosa, pág. 91).
A pregação de Zaratustra é voltada para o futuro, num tom esperançoso e visivelmente parodiando trechos dos evangelhos cristãos. Entretanto, logo após dizer isto ele pede que os chamados discípulos se afastem dele, pois “retribui-se mal um mestre quando se permanece sempre e somente discípulo”.
“Dizeis que acreditais em Zaratustra? Mas que importa Zaratustra? Sois os meus crentes; mas que importam todos os crentes!
Ainda não vos havíeis procurado a vós mesmos: então, me achastes. Assim fazem todos os crentes; por isso, valem tão pouco todas as crenças.
Agora, eu vos mando perder-vos e achar-vos a vós mesmos; e somente depois que todos me tiverdes renegado, eu voltarei a vós.” (p. 92)

O discípulo não deve imitar o mestre, ser ou pensar igual a ele. O discípulo deve superar o mestre no caminho do além-do-homem, do super-homem. Esta pregação Zaratustra havia feito primeiramente ao povo, na praça, depois de voltar de sua caverna. Agora ele a faz aos solitários, ao povo dos solitários.
No prólogo da Gaia Ciência, alguns anos antes, ele há havia escrito:
“Agrado-te, os meus discursos atraem-te,
queres seguir-me e seguir o trilho dos meus passos?
Segue-te fielmente a ti mesmo.
E assim me seguirás...muito suavemente, muito suavemente.”

O aforismo 443 de Aurora, diz o seguinte:
“Sobre a educação – Paulatinamente esclareceu-se, para mim, a mais comum deficiência de nosso tipo de formação e educação: ninguém aprende, ninguém aspira, ninguém ensina – a suportar a solidão.”


Passados quase um século e meio depois que Nietzsche lecionou, é evidente que seus piores sonhos se tornaram realidade. A massificação da cultura, a educação e formação para o mercado...

É possível a solidão (nos termos de Nietzsche) em nosso tempo?
Como podemos viver a solidão quando até estar sozinho precisa ser “compartilhado”?
Solidão num tempo em que o imaginário é colonizado? Em que somos, como sociedade, produtos de um aparelho que funciona como prótese de nosso olho?



08 outubro 2012

E os nulos e brancos?


23 milhões de pessoas não foram votar. 3,8 milhões votaram em branco e 9,1 milhões de votos nulos.

Parece que nem todo mundo está tão feliz com a "festa da democracia".
Queremos muito mais democracia. Menos eleições onde ganha o poder econômico.
Reforma política urgente!

07 outubro 2012

Comentando as eleições


Fortunati promete "salto de qualidade".
Para bom entendedor, meia palavra basta.
Ele é inteligente e sabe que comanda uma administração pífia.
Os grandes vencedores, além dele próprio, são Tarso e Dilma.
Fortunati é aliado do PT aqui e lá.
Se Manuela vencesse, poderia fortalecer a senadora Ana Amélia Lemos em 2014.
Então tem muita gente que "acha" que votou contra o PT, mas está fazendo parte do bolo...

Em Alvorada parece que deu uma mudança, que bom. Cidade abandonada. Em muitos lugares, ainda, os petistas representam esperança de algo diferente. "Quem não tem colírio...".
Em Rio Grande perdeu um senhor direitoso.
Em São Paulo, naquele contexto, o Haddad é quase revolucionário (risos).

Interessante a votação do Psol pelo Brasil. Alguma coisa acontece. Está no segundo turno em duas capitais.
O Marcelo Freixo, no Rio, com 1 minuto de propaganda e quase nenhum dinheiro
enfrentou toda a máquina do PMDB e PT e fez quase 30% dos votos.
É o tipo de derrota que soa como vitória.
Este cara é o novo na política do Brasil, ele representa uma possibilidade de mudança.

Pedro Ruas é o mais votado em Porto Alegre! Muito bom!
E a Fernanda Melchionna foi reeleita com um caminhão de votos (o meu tá aí).
Interessante o cara do Massa Crítica ser eleito também.
Até mesmo na base do prefeito, tem uns tenebrosos que não se reelegeram.

O que ninguém na midia vai comentar são os 10% ou mais de votos nulos e brancos. Todo mundo finge que eles não existem. Manipulação geral para escondê-los.

Lamentável a forma como as pessoas votam. Até os ditos esclarecidos cobram uma coerência dos políticos que não expressam em seus próprios votos, menos ainda em suas atitudes.

06 outubro 2012

Defesa pública da alegria

Vídeo sobre o movimento que aconteceu em Porto Alegre no dia 04 de outubro.

"A cidade precisa de espaços de afeto". Esta é a síntese mais precisa para nossas necessidades para lá de importantes. "A gente não quer só comida", lembram da letra dos Titãs?
Quando os espaços públicos começam a se tornar espaços de propaganda para grandes corporações, alguma coisa está errada...algumas coisas estão muito erradas.

29 setembro 2012

Não mudou nem vai mudar



Paródia do jingle da campanha eleitoral do atual prefeito de Porto Alegre. Muito bom!! Estas são as verdades que não aparecem na (maquiagem da) televisão...

27 setembro 2012

A escola de turno integral e outras mentiras


Que as pessoas acreditem em Papai Noel é um direito delas, e vou defender até a morte o direito de acreditar.
O problema é que numa eleição acreditar em fantasias pode ser desastroso.

Nas escolas de Porto Alegre faltam professores. Só isso já demonstra que as coisas vão mal. Estamos no final de setembro e AINDA faltam professores na grande maioria delas.
A cidade ocupa o 17º lugar entre as capitais no índice de desenvolvimento de ensino. Em outras palavras: está muito mal.

Aí aparece um prefeito em primeiro lugar nas pesquisas falando em "escola integral", o novo mantra dos políticos.
Que escola integral? Onde?
Você conhece algum aluno/a de escola pública que passa o dia inteiro na escola?
Na escola onde eu trabalho, que fica na periferia de Porto Alegre, estudam mais ou menos 1500 alunos.  Se ela fosse de turno integral, os alunos da manhã teriam que ficar na escola durante a tarde. Mas onde estudariam então os alunos da tarde?

Esta história de "turno integral" é uma bela mentira, uma ilusão. É mentira do ponto de vista da realidade mesma. E é discutível do ponto de vista pedagógico.
E o prefeito ainda promete "aumentar ainda mais" o turno integral, e "estendê-lo para todas as escolas". É mentira sobre mentira. A prefeitura hoje gasta mais com salários de CCs (cargos de confiança) do que com educação, e isto não vai mudar se o prefeito continuar sendo o mesmo. Sei que é óbvio demais. Mas é de uma lógica básica que estamos precisando.

É bom pensar bem antes de votar. Porque serão quatro anos de administração com quem for eleito.
E lembrar o conselho de Eça de Queiroz. Fraldas e políticos devem ser trocados de tempos em tempos, e pelo mesmo motivo.

24 setembro 2012

Um canhão pelo cu

"Um canhão pelo cu", texto do escritor espanhol Juan José Millás criticando o capitalismo e sua versão atual.


Um canhão pelo cu
Se percebemos bem – e não é fácil, porque somos um bocado tontos -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo da classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.
Esse porco filho da puta pode, por exemplo, fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que tu ganhes mais caso suba, apesar de te deixar na merda se descer.
Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter o que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas – e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.
Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco filho da puta compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.
A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe todo o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país – este, por acaso -, e diz “compro” ou “vendo” com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.
Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública – onde estas ainda existem – os filhos, também eles produto de consumo desse exército de cabrões protegidos pelos governos de meio mundo mas sobreprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres.
E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.
Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
A ti e a mim, estão a pôr nos vagões do trem uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.
A economia financeira, se começamos a perceber, significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um cabrão com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.
Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger esse filho da puta que te vendeu, recorrendo a um esquema legalmente permitido, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.
Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos difusores das ideias neoliberais.

22 setembro 2012

TONIOLO

Protesto e vandalismo e subversão e loucura e imaginação e destemor e criatividade e revolta e sacação e etc etc.
Depoimento de uma lenda urbana aqui do Rio Grande do Sul. O maior pichador de todos.


21 setembro 2012

Elenilton eleitoral

Agradeço de coração a sugestão da RBS e do Ibope, mas continuo confiando mais em meus neurônios e em minha capacidade em escolher um candidato a prefeito.

28 agosto 2012

21 agosto 2012

Raul Seixas entre o rock e a filosofia


Raul Seixas entre o rock e a filosofia

A música é apenas um veículo, eu estou com o microfone na mão...isso é uma coisa importante, é uma arma tão poderosa quanto a bomba atômica!
Raul Seixas

À noite, sozinho no flat, Raul prepara sua janta e assovia “À beira do Pantanal”. Escreve sobre aquele momento, diz que no outro dia estará rindo disso tudo. Na manhã seguinte a empregada encontra-o morto. Era 21 de agosto de 1989. Essa é a versão lendária. Na verdade ele chegou completamente bêbado, arrastando-se. Dormiu e não mais acordou.
(Foto: papo com o Sylvio Passos, no último domingo em Porto Alegre)


Na tarde do dia seguinte saio de meu local de trabalho e atravesso a rua. Meu amigo camelô se dirige a mim num tom um tanto decepcionado: “Morreu o nosso homem!”. Mas quem seria esse “homem” dos camelôs, estudantes e empregadas domésticas? Ninguém menos que o grande Raul Seixas.
Irresponsável, anarquista, cáustico, místico, irônico... Os adjetivos são muitos e as opiniões sobre ele também. O certo é que Raul foi um artista inconformado com seu tempo, e esta talvez seja a grande marca de sua obra.
Leitor voraz de literatura e filosofia, foi desta última disciplina que teve aulas particulares. Também gostava de psicanálise, tanto que em seus primeiros shows lia trechos inteiros de Freud.
Gravou 20 discos solo, escreveu um livro e um gibi intitulado “A fundação de Krig-ha”, que teve sua tiragem de 5.000 exemplares destruída pelos órgãos de repressão da ditadura militar. Como tantos outros artistas brasileiros, Raul Seixas foi muito perseguido e censurado. Até o fim de sua vida várias músicas permaneciam censuradas, como a famosa “Mamãe eu não queria” (um verdadeiro libelo contra o serviço militar obrigatório). Ele pergunta: “Mamãe, o exército é o único emprego pra quem não tem nenhuma vocação?”.
Para Raul, o chamado rock and roll havia morrido em 1959. E aquele que era feito no Brasil, com raras exceções, era uma imitação do americano que ele considerava ruim. Ele também não via futuro nos novos movimentos, como o punk. Seriam apenas modas, nada que pudesse atingir seriamente “os alicerces do Sistema”. Em sua visão, a única coisa que resistia aos modismos era “a verdade, o coração, aqueles escolhidos que não são afetados pela passagem do tempo”.
Talvez ele mesmo tenha se tornado um destes “escolhidos”, um clássico. Pois como podemos explicar o fato de que um cantor que já morreu há 20 anos continue vendendo milhares de CD's diariamente? Sem nenhum esquema de mídia ou divulgação, Raul Seixas segue sendo um fenômeno de vendas. Seu público não tem perfil definido. Pode ser um pré-adolescente pobre ou um senhor de classe média alta. Há inclusive uma música do Zeca Baleiro que brinca com isto. Há um bordão, uma frase que é escutada em apresentações musicais em todo o Brasil, independentemente do estilo: “Toca Raul!”. Zeca fala que isso deixava-o irritado, mas depois resolveu render-se e compor uma canção falando desse “poderoso” Raulzito que parece ter uma seita de seguidores.
Embora fosse criador de um tipo, o “maluco beleza”, Raul nunca conseguiu equilibrar muito bem a maluquez e a lucidez. O dionisíaco e o apolíneo. Foi o álcool que o matou. A mais consumida das drogas, seu veneno predileto. Por outro lado, talvez fosse lúcido demais para suportar a droga em que o mundo estava transformado.
Quando era perguntado se gostava de dar murro em ponta de faca, dizia que sim. Era um artista popular, com muitos sucessos comerciais, mas nunca rendeu-se ao esquemão das gravadoras. “Se não fizesse isso, não dormiria à noite...”, afirmava.
Em Porto Alegre, dois meses antes de sua morte, disse que não acreditava mais que a juventude pudesse fazer uma mudança radical na sociedade. Falando pouco e pausadamente, emocionou as pessoas que foram assistí-lo e que sabiam serem a última vez que o estavam vendo. A primeira e última, como era meu caso. “Agora é com vocês”, disse ele, e virou os microfones para o público. Era uma despedida respeitosa.
Na China os estudantes protestavam. A imagem do revoltado em frente ao tanque passeou indiscriminadamente pelo planeta. Engraçado foi que o chamado “Ocidente” utilizou a fotografia para vender a sua proclamada liberdade, fingindo que sua história também não foi toda construída sobre o autoritarismo. Raul lembrou esse fato no show, dizendo que durante a ditadura no Brasil os jovens eram reprimidos da mesma forma: “Não podíamos conversar, ficar juntos, éramos logo reprimidos...como na China agora”.

Compará-lo com os ícones da MPB, como Chico ou Elis, não seria uma boa recomendação. Estamos falando de tribos diferentes, embora uns e outros se escutavam e se respeitavam. Quando Elis Regina morre, ele lhe escreve um belo poema. E é para ela que teria sido enviada “Areia da ampulheta”, que ela não quis ou não teve tempo de gravar. Raul mergulhou em tudo, ardeu em todo fogo que se meteu. Não pretendia a maturidade e precisão que outros procuraram e criaram tão bem. Sua obra pode ser chamada sem medo de brasileira. Está tudo ali. O cancioneiro popular com suas dores de amor, a colonização através do rock e a antropofagia do ritmo dos outros: baiões, flautas, pandeiros e violas envolvendo o canto de protesto estrangeiro. Jackson do Pandeiro misturado com Chuck Berry.
Das viagens de trem com o pai, pelo interior baiano, a sonoridade de Luis Gonzaga. A mãe em casa escutando discos de tango, Piazolla ocupando com prazer a sala da casa nas manhãs de domingo. Os vizinhos americanos apresentando discos recém lançados de um novo som, que representava bem mais do que somente música. Esta mistura toda está em Raulzito. Este talvez seja o grande segredo que o torna uma figura estranha e original na história da música brasileira. “Sou o que sou, sem mentiras pra mim...” é o que ele diria.
Foi ouvindo as canções de Raul Seixas e lendo suas entrevistas, que tive os primeiros contatos com nomes como Sartre, Nietzsche e Schopenhauer.
Com ele entrei em contato com a Filosofia. E é com ele que encerro este livro. Este caminho que percorremos juntos e que nos faz desde agora cúmplices.


[Texto inédito para o livro "As cartas místicas", ainda não publicado]

14 agosto 2012

Cortina de fumaça

Documentário que trata da questão das drogas, trazendo outra visão e denunciando a verdadeira cortina de fumaça que é feita. A proibição que gera violência e que pune apenas os mais pobres.
Vale a pena assistir!


08 agosto 2012

Mensalão, PT e anti-PT


O mensalão é mais um escândalo, e aconteceu. A grande mídia se aproveita dele para bater no PT (que fazia a mesma coisa quando os escândalos eram dos outros).
O fato de um governante ser bem votado ou bem avaliado em pesquisas (como o caso de Lula e Dilma) não está diretamente relacionado com sua honestidade, nem tampouco com sua ideologia. Esta conversa de que o apoio popular isenta os dois não me convence. Parece mais chantagem.


Vejo os "antipetistas" criticarem um PT que não existe há muito tempo. E os petistas - se é que acreditam no que falam - defenderem um partido e um governo que existe muito mais em suas fantasias.
O governo brasileiro não é revolucionário, nem está fazendo nenhuma grande transformação.
A disputa PT-PSDB é por ocupação de poder, e não ideológica.
Querem um exemplo? O Eduardo Paes, no Rio de Janeiro. Ele era do PSDB, chamava o Lula de ladrão para baixo. Entrou no PMDB e agora é aliado de primeira linha do PT. Ficou bonzinho? Foi para a esquerda? Não. Está jogando, defendendo seus interesses.

A política econômica do PT é uma sequência da anterior.
Os partidos que apoiam o PT, com exceção do DEM, são os mesmos que estavam com FHC.
Essa ideologização que os petistas tentam fazer também é jogada de mídia, porque não tem relação com a realidade. É mídia contra mídia.
Generalizando, direita e esquerda no Brasil se confundem. Há exceções, mas raríssimas. Infelizmente para todos nós.
A política é cada vez menos política de verdade. Virou esse jogo podre de quem dá mais.

Se algum destes grandes partidos pretendesse MESMO transformar algo no Brasil, deveria estar propondo uma reforma política radical que acabasse com o esquema que alimenta as eleições com dinheiro sujo.
O PT, com o poder que tem hoje, poderia fazer isso. Mas não quer. Não é mais do seu interesse...

04 agosto 2012

Eu tenho um vizinho chamado Jesus


Eu tenho um vizinho chamado Jesus.
Todo dia Jesus sai a passear com seus dois cães, um deles velho e trôpego como ele.
Na verdade, Jesus nem é tão velho. A aparência de velhinho ele adquiriu com as agruras da vida e do abandono.
Somos amigos, eu e Jesus. Ele me chama de professor.
Jesus mora na vila aqui ao lado. Nos encontramos sempre na rua, com nossos cachorros e nossas conversas. Numa delas ele me pediu um livro de geografia, para decorar de novo o nome das capitais.
Mas Jesus tem sofrido muito com as dores.
Esperou uns 8 meses por uma consulta. Uma hérnia maldita que queria rebentar.
Depois mais dois anos pela cirurgia. A hérnia estourou na virilha, horrível.
Passaram-se dois anos e meio e Jesus passou pela cirurgia. Voltou tão “esgualepado” quanto seu cão mais velho. Por algum motivo que não lhe foi revelado houve um problema durante o procedimento cirúrgico e lhe retiraram um dos testículos. E é isso o que tem mais lhe incomodado.
Outro dia Jesus leu na capa de um jornal popular que “a saúde está bem obrigado”.
Depois de mais de dois anos e meio para conseguir consultar e fazer uma cirurgia (que era urgente), Jesus achou estranho. Veio falar comigo, já que eu sou “o professor”.
E ficamos eu e Jesus tentando entender onde é que está essa saúde boa.
Em Porto Alegre é que não é...

01 agosto 2012

Criminalizar a homofobia


Tem cada gênio na Internet...
Acabo de ler uma notícia sobre um rapaz que foi assassinado em Tapes. Ele era homossexual, e há suspeita de homofobia. Esta é a notícia.
Aí um acéfalo (um imbecil) resolve comentar a notícia, criticando. E o que ele diz "contra"? Que as palavras homoafetividade e homofóbico são inventadas.
Tudo o que faz parte do nosso mundo humano é inventado. As palavras são criações e são sempre carregadas de sentido.

Não há lei que cure a burrice.
Mas certamente precisamos de leis que tornem crime a violência contra os homossexuais gerada pelo preconceito.

Não precisamos ser gays para perceber que há violência contra eles.
Assim como não precisamos ser mulheres para nos darmos conta do absurdo que é a violência contra as mulheres no Brasil.

Basta juntar aquele segundo neurônio que sobrou com aquele que a televisão ainda não conseguiu destruir...

10 julho 2012

Imaginação

Este é um dos hits aqui de casa. Danço eu com o Érico, e a Míti observando...


23 junho 2012

Golpe no Paraguai


Governo do Brasil já está demorando demais para reagir ao golpe nazista no Paraguai.
Até agora só o Vaticano e a Alemanha reconheceram o "novo" governo.
No Brasil, só sendo muito tosco mesmo para apoiar o que está acontecendo no Paraguai. Não é uma questão de direita ou esquerda, mas de respeito ou não ao povo.
Assisti ontem alguns minutos da TV paraguaia. Enquanto os deputados (muitos ligados ao narcotráfico) faziam festa no Congresso, milhares de pessoas nas ruas silenciavam num gesto de descrédito e impotência.  Em volta delas, dezenas de atiradores de elite posicionados sobre os prédios.
Lá é assim que as coisas funcionam. Manifestação popular é recebida literalmente à bala. Este presidente que foi deposto, Lugo, foi a primeira exceção à regra. Foram 60 anos de partido único, de ditaduras.
Não se pode levar a sério um processo de impeachment que é realizado em 24 horas.
Na visão dos paraguaios, somos uma espécie de império. A reação do Brasil é extremamente importante neste momento. Vamos ver se temos um governo ou apenas um amontoado de partidos oportunistas no poder...

19 junho 2012

Um nome para a impunidade



A IMPUNIDADE no Brasil tem nome. O nome é Cristiane Stefanello Scherer, juíza da Vara Criminal de Tramandaí (RS). Ela mandou soltar hoje Iberê Vargas Braga, 21 anos que, bêbado, atropelou 8 e matou 3 pessoas em março. Segundo várias testemunhas, ele estava participando de um "racha".
Não são apenas os políticos que nos envergonham, não é mesmo senhora juíza?
Perguntar não ofende. Se ele fosse um pobre motorista de um fusca velho, a senhora juíza mandaria libertá-lo??
A Justiça brasileira tem classe. A classe dos mais ricos.

05 junho 2012

Cão por um dia

Este é o nosso tempo. Hoje passeando com o Érico e a nossa cachorrinha (a Míti). Ele lindão, uma criança bonita mesmo (opinião totalmente isenta, claro). Mas sabem para quem as pessoas olhavam? Para a Míti. E nós dois a observar as reações e comentários: "Olha que lindinha!", "Ai que meiga!", "Olha a patinha branquinha..que fofa!"... Agora entendo uma pergunta que um aluno ou aluna colocou na Caixa de Perguntas: "Professor, você gostaria de ser tratado como um cão por um dia?" Dependendo do cão.

24 maio 2012

Beijos e bicicletas

É um proteijo ou um beijotesto? Uma mistura de beijos com reivindicação. Um protesto poético, como há muito os protestos esqueceram de ser... Hoje, em frente à prefeitura de Porto Alegre, os casais se beijaram para pedir mais ciclovias. E recriaram aquela foto famosa do fotógrafo francês. Pelo jeito que as coisas andam e pela mediocridade destes que governam a cidade, teremos que fazer ainda muitos e muitos outros destes atos inspirados. Beijemos então. E que os nossos beijos parem as cidades e escandalizem aqueles que pensam as ruas apenas para os carros.
(Foto: Fernando Gomes/Agência RBS)

22 maio 2012

Xuxa e a violência contra as crianças

Não tenho nenhuma simpatia pela Xuxa e o que ela representou para uma geração inteira de crianças do Brasil. Nem me interessam os programas de domingo da TV (que jamais assisto), nem os motivos pelos quais ela resolveu falar publicamente que foi abusada sexualmente várias vezes. Mas o que ela fez me parece digno. Uma pessoa com esta projeção tocar num tema tão importante, sempre é bom! Uma coisa sou eu, por exemplo, conversar sobre isso com meus alunos/as na sala de aula. Outra é o assunto tomar esta proporção, a partir de alguém famoso. Muitas meninas devem ter se sentido representadas no que ela disse, e isso é MUITO importante. E o que ela disse é exatamente o que as gurias dizem: se sentem humilhadas e ao mesmo tempo culpadas pelo que sofrem, porque não percebem na sociedade qualquer preocupação com elas. Junte-se a isso, hoje, a moda do funk carioca e suas letras carregadas de preconceito e menosprezo às mulheres...e está pronto o caldo de cultura que alimenta a desgraça. A violência sexual contra as meninas é muito, muito maior do que se imagina. É uma tragédia nacional e só quem tem contato de alguma forma com esta realidade, como nós professores, sabe o drama e a impotência que sentimos muitas vezes. É claro que ela não se limita à periferia, mas é lá que aparece mais escancarada. Espero que a fala da Xuxa abra caminho para campanhas, projetos, ações concretas contra este drama. Milhares de meninas que sofrem em silêncio esperam por isso, neste país onde parece mais importante falar em Copa do Mundo do que nas pessoas que nele vivem.

14 maio 2012

Pablo Neruda

"Há fábricas de dias que virão" (Neruda). Em Isla Negra estão os restos do grande poeta. De frente para o Pacífico encontrou ele sua melhor morada. Ali mesmo, onde vivo abraçou-se com o mar revolto e conversou com as gaivotas. O quarto de Pablo e Matilde era uma extensão do mar. Não se sabe bem se os estrondos ouvidos naqueles tempos eram os ecos daquele grande amor ou os rugidos do monstro marinho. A única demarcação de espaços entre a poesia e o mar é dada pelos sinos. Eles continuam lá, mas já não badalam. Sem o toque do poeta parece que morreram de tristeza. No entanto, correm boatos de que crianças que visitaram a casa viram um velhinho de boina tocando um sino quando o sol foi dormir. Quando fui na casa de Neruda ouvi Gracias a la vida tocada ao piano. Sentado na areia grossa e multiforme - que foi tapete para seus passos - desejei o mate da mulher ao lado. E disse “gracias” ao meu próprio desejo. E por estar vivo joguei uma moeda e um pedido na fonte.
A casa do poeta é um lugar de peregrinação do sonho. Tudo nela é mar. Pedras, plantas, miniaturas de barcos engolidas por garrafas, belas carrancas de navios fantasmas, instrumentos de marinheiros devorados pelas sereias. Naquela casa senti-me como um peixe metálico flutuando em um de seus poemas.

12 maio 2012

Escorpião

Eu sou o escorpião. O limite tênue entre a morte e a vida, a fera e o anjo. O escorpião não vacila: cercado pelo fogo e na iminência de uma morte agonizante e lenta, pica-se e morre. O veneno dos outros escorpiões nada pode contra ele. Mas o seu próprio veneno lhe é mortal. A pergunta pelo suicídio é constante, está inscrita em seu corpo, por isso o escorpião precisa escolher a vida a cada dia. Age como se seu tempo estivesse acabando. É apaixonado, constante em seus altos e baixos, exige compromisso e entrega total. Para o escorpião não há tempo senão o tempo de viver. Ele não quer distração, quer estar atento, quer atenção.

22 abril 2012

Raul Seixas - o início, o fim e o meio

Para quem gosta de Raul Seixas, indico o documentário "Raul: o início, o fim e o meio" que agora (finalmente) está sendo exibido em Porto Alegre. Emocionante, engraçado...e também triste. Triste pelo fim precoce do Raul e pela anestesia deste nosso tempo, que fica mais evidente ao rever o quanto outros foram críticos e sarcásticos... Guardo na memória a imagem de Raul aqui em Porto Alegre, em despedida, virando os microfones para a platéia. Um gesto significativo. "Agora é com vocês", ele disse.
Coerente com a maluquez que nunca controlou e com uma época que negava, ele escolheu a morte.

15 abril 2012

O silêncio

No sábado chuvoso uma aula tranquila com um pequeno grupo de alunos/as. Da turma barulhenta da semana um grupinho calmo e molhado havia chego até ali. Guarda-chuvas em greve. O som da chuva renitente lá fora embalava nossos ouvidos. Quando então uma aluna - que normalmente fala pelos cotovelos - veio com esta preciosidade: - Eu não gosto do silêncio. Dá até pra ouvir meus pensamentos. Creio que agora ela começou a entender o que é a aula de filosofia... (E eu corri para pegar a caneta e o papel, como quem agarra com paixão seu violão, e anotei sorrindo esta frase que agora divido com vocês).

07 abril 2012

Um dia ruim (conto)

Como é chato acordar antes do despertador. Assim aconteceu naquele dia. Naquela madrugada. E ele ficou se revirando de um lado para outro até que chegasse a hora. O mesmo horário de todo dia. Cinco e quarenta da manhã. Mas antes da hora, o que fazer? Não pode se mover muito. Apesar da aparente calma, Helena se tornava agressiva quando lhe acordavam. Então o melhor era não se mover. Não mexer a cabeça. Tentar não respirar com força, não suspirar de tédio e insônia. Contar carneirinhos. Fazer o possível para não incomodar a mulher que ele há muito já não amava. Resolveu levantar. Em silêncio carregou consigo o relógio. Em verdade, o relógio era um telefone celular. Faltavam apenas alguns minutos. Bastava desprogramá-lo, e foi o que fez. Ela só acordaria mais de uma hora depois, pois tinha seu próprio negócio. Não era empregada, como ele. Mas tinha que aturar suas empregadas. Enfim pensou que esta história de ser patroa não lhe tornava a vida muito melhor. Apenas sofria de outros tormentos. E o casamento era o tormento que haviam inventado em comum. Com direito a álbuns de fotografias e papéis a assinar. Um café passado na hora. Bela maneira de começar o dia. Para isto inventaram as cafeteiras. A sua era italiana. Dava um ar mais distinto à sua manhã. Café italiano. Não, café “à italiana”. Sorriu com este pensamento bobo. Jogou as duas colheres habituais do pó negro e apertou o botão. A água, sim, a água também. Caminhou até o banheiro. Abriu a torneira. Jogou a água fria sobre o rosto amassado. Escovar os dentes, todo dia precisa fazer isso. O cheiro do café não tomava conta da casa. Nem a italiana fazia qualquer ruído. A torneira do banheiro estava pingando, percebeu. Já havia percebido há semanas, é verdade, mas agora aqueles pingos lhe incomodavam. O som das gotas batia no silêncio que vinha da rua. A ausência do ruído da cafeteira que perfumava seu início de dia. O que acontece quando as coisas parecem querer nos dizer algo? O que fazer para furar um bloqueio de equipamentos? Apertar o botão. Mas o elevador não se move. Foram instantes que duraram uma eternidade. Viu todo o roteiro do dia passar diante de si como num filme. Sua imaginação se movia, já se via no carro, na rua, já se via chegando. Mas o elevador não se movia. Havia apertado o botão de seu próprio andar. Apertou o “P” e a máquina moveu-se. O carro não se moveu. Revelou-se no que era: uma máquina fria. Algo muito errado. Girou a chave, como de costume. Motor ligado, faróis acendendo a manhã escura. Espelhos. Tudo em dia. Combustível, sim, ontem mesmo passara no posto. Saiu. Abriu o capô, verificou o motor. Diante daquele maquinário todo, labirinto de canos e fios, parou. Lembrou que nada sabia de motores. Voltou e abriu a porta. Sentou-se. Bufou, bateu na direção. Pensou no ridículo de bater numa direção de carro. O freio de mão estava puxado. Que tolo. Apertou o botão, destravou-o. Saiu. Escuro demais para o horário. Noite densa num início de manhã, estranho. Ao menos o trânsito fluía muito bem. Nunca conseguira ir tão rápido e tão tranquilo para o trabalho. A porta do prédio ainda trancada. Por quê? Tocou o interfone, nada. Tentou ligar para o escritório, ninguém atendia. Não havia pessoas na rua também. Mas o que havia com o mundo naquele dia? De repente surge do final do corredor um vulto. Uma luz se acende, pálida. Um homem baixo de cabelo desgrenhado se aproxima e abre a porta do prédio. É o novo vigia, explica. Estará ali todos os finais de semana. Finais de semana, como assim? Sim. Foi informado que estavam em um domingo. Se sentiu um tolo. Talvez por isso as coisas todas não queriam funcionar. Também queriam sua folga. Resolveu voltar por outro caminho. Ao menos diminuiria a raiva de si mesmo. Mas já na segunda avenida havia um desvio. “Obras na via”, estava escrito na enorme placa laranja. Não havia o que fazer a não ser seguir aquele rumo. Direção única. Flechas apontando um único caminho a seguir. Entre duas crateras abertas um risco de asfalto em pedaços. Já eram sete horas e nada da luz. Não havia nuvens no céu. No entanto o sol se recusava a surgir. Seguiu as placas indicativas. Flechas negras sobre o laranja opaco. Para onde estavam o levando? Não havia o que fazer a não ser seguí-las. Sentiu uma certa angústia, algo que lhe apertava. Um sufoco no peito, algumas agulhadas no ombro. Certo mal-estar com aquela situação. Não há dor no coração, ele sabia. Mas era mesmo o lado esquerdo que o incomodava. O caminho foi perdendo seus retalhos de asfalto. Agora era o chão batido. Uma estrada de chão se mostrava calmamente a seus olhos. O sol começava a surgir. Enfim a manhã resolvera acordar e pôr a madrugada densa para dormir. Para ele um alívio. A escuridão se tornara insuportável. Além dela toda a confusão das coisas que não funcionavam. Mas para onde levava aquela estrada? Que diabos de via é esta que ele jamais tinha visto? À medida que o sol se avivava a estrada se tornava estreita. E caminhava numa faixa estreita de terra rodeada por morros. A mata densa. Uma mata completamente desconhecida para ele. Nem imaginava que a cidade possuía uma região assim. Uma zona rural em plena capital? Nunca ouvira falar. No entanto começava a gostar. Se tudo começara mal naquele dia, ao menos agora conhecia um lugar novo. No horizonte próximo percebeu uma casa. A estrada tinha fim. Entre ela e a casa uma porteira. Parou o carro. Estava trancada. Bateu palmas. Um homem magro e sorridente começava a se aproximar. Estava todo de branco. Não pôde deixar de estranhar que o homem estava descalço. O detalhe despertou-lhe ainda mais a curiosidade. “Olá. Estávamos lhe esperando”, disse o homem estampando um sorriso largo. E antes mesmo que ele esboçasse uma resposta, tratou de pegá-lo delicadamente no braço esquerdo. Passou a conduzí-lo a passos lentos até o interior do pátio. Um passeio de pedras pequeninas e coloridas, protegidas por flores dos dois lados. Eram gerânios, begônias, e o roxo assustador dos acônitos. A imagem daquelas flores em forma de capuz lhe provocou arrepios. Era uma beleza gelada. Nos fundos do pátio havia uma cerca viva que escondia um portão. O homem abriu o portão. Iam os dois em silêncio. Agora era uma trilha estreita onde só cabia uma pessoa. O vento suave anunciava um belo dia. Pássaros cantavam alegremente. Podia ouví-los mas não vê-los. Uma sensação prazerosa de adentrar nos domínios da natureza. Ao longe o som da água. Seriam vertentes, um rio, um córrego? Logo viu que não. “Aqui estamos meu amigo”. O homem apontou o local com outro sorriso e um braço estendido. Sobre uma enorme pedra várias outras pessoas formavam um círculo. Todas como o primeiro, vestidas de branco e descalças. Aquilo parecia um ritual. Percebeu que no círculo havia um lugar em aberto, uma fenda. Pelos olhares de acolhimento logo viu que aquele era seu lugar. Preparava-se para sentar quando uma mulher apontou para seus sapatos. Ela também sorria. Na verdade todos eram só risos. Normalmente acharia aquela situação patética, mas ali estava começando a se sentir feliz. [continua] Elenilton Neukamp

25 março 2012

Apontamentos de um inimigo público

A escola onde trabalho está passando por uma grande reforma. Na semana passada, foi notícia na mídia por conta de uma denúncia anônima de que havia um fumódromo na planta da obra. Não sei quanto custaria, mas se trata de dinheiro público. Ninguém sabe como isto apareceu ali, nem quem teria solicitado uma aberração deste tipo. Por tabela, com a veiculação na rádio Gaúcha, os fumantes atuais perderam seu espaço (ilegal, claro). Ficaram fulos. Tomavam como justo seu privilégio. Eu sou apontado como o denunciante. Minto. No Brasil, quem denuncia é acusado. Então fui acusado de traidor da classe. O problema está em quem aponta o erro, e não na ilegalidade apontada. Só não estou sendo queimado porque já está fora de moda. Porém, houve até ritual de cremação. Não funcionou. Sigo vivo, forte e...pensante! Tornei-me o inimigo público número 1. Até aí tudo bem, quando você não deixa sua consciência ser anestesiada pelas conveniências. Difícil mesmo é ter que escutar coisas do tipo: “Uma coisa é a lei, outra é o bom senso”. O bom senso, neste caso, seria permitir que professores e professoras fumem dentro de uma escola. Em uma sala no meio do pátio onde circulam centenas de crianças e adolescentes em cada turno de aula. Este é o “bom senso” que contraria todos os movimentos mundiais pela redução de espaços para o fumo. A ONU, o governo brasileiro, estado, prefeitura, o guarda da esquina. E todas as leis também. Mas por que professores deveriam se ocupar disto, não é mesmo? Leis só servem para ser cumpridas pelos outros. Aí você fica naquela situação ridícula de discutir as “regras da escola”, onde não fumar é óbvio. E é claro que sempre há vários alunos para questionar: “Mas por que os professores podem e a gente não?”. Ah, meninada abusada. Se assistissem ao Big Brother, como boa parte de seus mestres, não teriam tempo para estas pequenas subversões. O infantilismo em educação é tão forte que o próprio objeto não é discutido. “O dedo mostra a lua e o tolo olha o dedo”. Fica-se nas digressões sobre o que teria motivado o denunciante. Vingança? Ódio contra os fumantes? Seria ele um sujeito normal? Na Internet comentários de um cristianismo piegas pregam o “perdão” ao ser que errou. A ética de Brasília se justifica. Estamos todos enredados na rede do compradismo e do jeitinho. Se você aponta um crime, jamais pode ser pelo simples fato de buscar a justiça. Certamente deve ter um problema pessoal, uma raiva camuflada, um recalque. Se for mulher é bem pior, porque isto significa que lhe falta um homem, um pênis, um filho. É equivocado usar as prerrogativas de cidadão, que se incomoda com ilícitos e os denuncia. Por que afinal a escola deveria se ocupar com estes temas antiquados como a cidadania, não é mesmo? Só vale falar mal do que está longe, genericamente, de uma forma que não mexa com a realidade. A regra básica é a democracia de fachada, onde se fica horas discutindo um assunto até chegar à conclusão alguma e – invariavelmente – a um pacto de mediocridade fundado na falsa harmonia. Enquanto escuto tolices, minhas perguntas continuam. Quem fiscaliza uma obra pública? Como um fumódromo aparece em uma planta de uma reforma e ninguém vê? Neste caso específico o tal fumódromo já não está em lugar nenhum, as autoridades preparam uma sindicância para perguntar se fumavam na “cozinha” dos professores ou na cozinha do refeitório (muito crucial a questão). E, elementar meus caros amigas e amigos leitores, o culpado é o mordomo que vos fala. A educação no Brasil vai mal. Culpa dos governos? Também.

17 março 2012

Cães e homens





Pesquisas recentes têm demonstrado a crescente disposição de boa parcela da população (especialmente na chamada classe “média”) em preferir a companhia dos cães, em detrimento aos de sua própria espécie: os humanos.
Mas não se animem os leitores da filosofia pessimista de Schopenhauer, imaginando que sua fórmula ranzinza popularmente conhecida como “quanto mais conheço os homens, mais gosto dos cães” tenha, enfim, triunfado. Que nada!
As pessoas cada vez mais gostam dos cães simplesmente porque cada vez menos conhecem seus semelhantes (o Outro, este estranho).
Os humanos, bípedes, racionais, passageiros do século XXI, são a antítese de homens profundos como Schopenhauer. Não se sabem nem querem saber, e ainda por cima têm raiva de quem sabe.
Com os avanços da biotecnologia e o empobrecimento da linguagem, em breve poderemos ver cachorros de óculos perguntando “por quê?” e humanos, pela rua, latindo e carimbando os postes.

Por algum tempo, talvez, o mundo torne-se mais engraçado.

“...pois, francamente, como se restabelecer da infinita dissimulação, falsidade e malícia dos homens, se não houvesse os cães, em cuja face honesta podemos mirar sem desconfiança? Nosso mundo civilizado não passa de uma imensa mascarada. Ali encontramos cavaleiros, padres, soldados, doutores, advogados, sacerdotes, filósofos, e o que não mais! Porém estes não são o que representam: são simples máscaras, sob as quais, via de regra, se situam especuladores financeiros.”
Arthur Schopenhauer (1788/1860)

[Este é um textinho que escrevi há alguns anos...me parece mais engraçado do que interessante...de qualquer forma, vai estar no livrinho de crônicas]

14 março 2012

Um dia de chuva

Ela pousou o olhar sobre a foto do avô e da avó, como os conheceu: velhinhos, meigos.
Olhando os olhos da avó não pôde conter o choro.
- Que saudade vó! – disse de si para si.
E, de repente, a saudade triste e melancólica deu lugar à alegria. Um som suave vindo da rua fez-lhe virar a cabeça.
A calçada estava transformada em um tapete de mil cores e do céu caía uma chuva colorida de pétalas.

08 março 2012

Três pedidos e um sonho

Nos primeiros dias do ano tudo se anima. E a infância volta a ser, por uns breves dias, a questão central da escola. Todos numa atmosfera de doce curiosidade. Professores lembram que foram alunos e alunas sonham em ser professoras.
Neste encanto todo, um trabalho. Para que se conheçam. Para que a magia encantadora da comunicação humana os envolva e toque. Propõe-se que eles sonhem e que escrevam o seu sonho.
- Eu faço uma pergunta para vocês - diz a professora. E se encontrassem uma lâmpada e dela saísse um Gênio? Quais são os três pedidos que vocês fariam?
Um menino de olhos enormes e cabelos rudes levanta a mão. E dispara:
- Eu ia pedir um caderno, um lápis e uma borracha!




[Pequeno fragmento do livro sobre a Caixinha de Perguntas]

05 março 2012

A filosofia e o caminho das antas

Meus alunos perguntam onde nasci. Aproveito a deixa.
Nasci em Poço das Antas. A inevitável pergunta: quem nasce lá, o que é? Sempre tem um engraçadinho pra caçoar lá no fundo da sala. Eu também acho graça.

Segundo o que me disse um livro, as antas são mamíferos enormes e pesados.
Criam um caminho no meio da mata que atravesse sua comida e chegue até alguma fonte de água. Seguem sempre aquele mesmo caminho estreito.
O caminho das antas é seguro. Todos os dias elas retornam por ele até a comida e a água de novo.
As onças vasculam muitos caminhos. E gostam de comer antas. As onças não são vegetarianas.
O caminho das antas até pode ser seguro, mas no momento em que uma onça o encontra não há mais nenhuma saída. A onça sabe que basta apenas deitar na moita e ficar esperando.
Antas são previsíveis. Se imaginam geniais nas certezas que construíram trilhando sempre o mesmo caminho.
(Ah, leitor, deixa de ser chato! É claro que eu sei que anta "não se imagina genial coisa nenhuma". É só um jeito de dizer, de inventar uma imagem pra dizer uma coisa...tá entendendo?)
Já posso até imaginar uma velha anta dizendo: "Isto eu sei muito bem, já faço isso há trinta anos!".
As antas apenas repetem os mesmos comportamentos, o mesmo padrão. Por isso se tornam a comida predileta das onças. As antas pensam que tem muita experiência, mas o que elas têm é muitos anos de repetição.
É só aguardar, sabem muito bem as onças. Você anda por todos os lados, fareja bem, vasculha...e aí está o caminho da anta.
É um pulo só. Vapt vupt! E está pronta a refeição. Calorias para muitos dias. Humm...delícia!

Brinco com os alunos desenhando um caminho de anta no quadro. E a aguinha la embaixo, que é onde o caminho sempre dá.
Um caminho é fácil de decorar e talvez até passe uma grande sensação de segurança. Mas a onça atravessa os caminhos - a onça que vem travestida de mil mantos e faces.
Na vida possivelmente existam bilhões de possibilidades de caminhos, tantas quantas esses bilhões de pessoas que somos poderiam imaginar.
Então por que se contentar apenas com aquele caminho das antas?
Há muitos outros caminhos por se descobrir e inventar.

Não cabe à Filosofia mostrar caminho nenhum a ninguém. Isto quem fazem são os pastores de almas e os políticos. "Tudo gente fina, meu advogado jura", como disse o Raul Seixas.
Mas ela nos ajuda a inventar outras rotas, outros atalhos que subvertam a dureza do asfalto e a retidão das linhas que dividem as vias da vida.

A filosofia constrói e destrói conceitos. Mostra um mundo onde só havia um muro.
Dizem que é prima-irmã da poesia, mãe da ciência (que às vezes é filha pródiga), despertadora de rebeldias para muito além da adolescência.

Filosofar não é luxo. É necessidade. E nem precisamos de diploma pra isso.

01 março 2012

Pássaros


(Mais um textinho daquele livro que demora pra vir ao mundo...)


Eles já estavam lá, quando uma coagulação imensa de seres forjou esse fenômeno que chamamos o humano. Sobre nossas cabeças migravam de costa a costa, obrigando-nos a revirar o olhar em busca de caminhos no céu. Eram enviados dos deuses esses seres alados e mágicos que podiam voar.
Num eterno retorno recomeçavam a cada estação o que nunca acaba: a busca pela vida, a bela e terrível necessidade do impulso vital em perpetuar-se.
Trinta e tantos anos. Um fio claro, quase branco, na sobrancelha direita. Que sinal é este? Que simbologia escondida sob um cabelo descoberto?
Quase quarenta anos de dúvidas e descaminhos. Passos firmes sobre trilhas no meio do mato. Atalhos pedregosos que fui buscar para encurtar caminhos, mas que por vezes cansaram minhas pernas.
Já não são de dezesseis minhas caminhadas, mas a velocidade mantém-se a mesma. Passo apressado por estas ruas, estes transeuntes e prédios antigos que insistem em seduzir meu olhar. São outros tempos que dormem naquelas fachadas. Olhares fantasmas grudados na tinta antiga, castigada pela poeira dos dias.
O mundo que vejo aos trinta e muitos é diferente. No entanto, estou limpo, apesar do que me diziam há dezesseis tempos atrás. Tenho mais de duas vezes dezesseis agora. Duplamente apaixonado pela vida. Dividido, saborosamente dividido. Metade de mim são os sonhos que insisto em conceber. A outra metade é louca, porque teima em querer acordar-me.
Certa vez, escrevi que a verdade é o que resta quando a poeira baixa. Estava certo.
Depois, a experiência me ensinou a passar a vassoura.

27 fevereiro 2012

Malandragem, dá um tempo

Um tal deputado Pimenta diz que obras em estádios de futebol são "de interesse público". Em outras palavras: precisam ser pagas com dinheiro DO PÚBLICO.
Malandragem, dá um tempo.
São de interesse das construtoras, estas megaempresas que há décadas sugam nosso país.
E também da Fifa, dos patrocinadores, dos politicanalhas, das redes milionárias de TV...enfim, de todos os tipos de malandros que nos tratam como o rebanho que nós insistimos em ser.

26 fevereiro 2012

O Oscar

O Oscar é um evento midiático da indústria de cinema americana. Para premiar seus próprios filmes. Apenas isto. Indústria e mídia.
Até surgem ali alguns filmes bons e eventualmente muito bons, porém se reduzem aos filmes norte-americanos e alguns outros que eles resolveram valorizar por algum motivo.
99,9% dos bons filmes produzidos no mundo não estão ali.
A indústria de filmes da Índia, por exemplo, é maior que a americana. E o que sabemos dela?? E os filmes italianos? Argentinos? Franceses? Não sabemos nada vezes nada.
De vez em quando algum filme "estrangeiro" fura o bloqueio e faz sucesso, aí as pessoas saem comentando como se tivessem descoberto a roda.

No fundo, seguimos colonizados como sempre.
E a Globo fazendo seus filminhos, que mais parecem telenovelas de 90 minutos.

20 fevereiro 2012

De volta



Uma bela fotografia para retomar as postagens no blog. De volta. Esta pequena tempestade assisti da sacada, ontem. Com prazer.

Em casa, uma das correspondências é de um padre e vem com uma "medalha milagrosa" que promete tudo fazer para seu portador. O tal padre envia juntamente com a medalha uma carta. Ele diz que "deseja ardentemente" que todos tenham o tal troço. Deseja, é? Humm...sei. E sugere uma contribuição de 25 reais para a sua boa causa de distribuir medalhas milagrosas. Eu disse obrigado, mas não estou necessitando de milagres no momento.

Nos sites de notícias a dor de sempre. A violência. Uma criança assassinada brutalmente. Acidentes de trânsito e a Polícia Rodoviária continua sendo uma ficção (eu nunca vi). Animais maltratados morrem nas ruas de Porto Alegre de sede e fome. A velha "Humanidade" de sempre.

Na casa da praia as formigas invasoras me presentearam com um 'insight' que rendeu um bom argumento dentro do romance.

Entre os tantos e-mails de cada dia, uma chamada Ordem dos Gregários quer que eu me agregue. Mas não sou muito chegado a ordens. Sobretudo a estabelecida, que nos reduz a consumidores passivos dessa ....[palavra censurada pelo Superego]

O Rio Grande do Sul, famoso pelo frio de gentes e climas, registra calorões históricos. Cidades inteiras migram para o litoral, que se transforma num formigueiro humano. Deve fazer calor lá também.

Por aqui, seguimos esses dias na bolha caseira. Flutuando entre cuidados com o Érico (que caminha e sorri emocionado) e os personagens que insistem em embaralhar minha mente. Até na ficção a maioria gostaria mesmo é de ser feliz. Mas um romance apenas com açúcar não faria nenhum sentido. Isto vou dizendo para eles e elas.

Em Brasília um ministro importante da presidente pede perdão para a bancada evangélica. Perdão. E as mãozinhas unidas como bom menino. Ai que meigo. Eles deveriam pedir perdão é pela extensão da mediocridade de uns e outros e todos. Ele não tem medo de se achar ridículo? Claro que não. Neste tempo brega o ridículo é o sucesso.

O tempo passa agalopado. Mesmo levando uma vida tranquila persiste a impressão de que dias passam com a rapidez de poucas horas. Nosso tempo anda depressa. Quer chegar rápido ao seu lugar nenhum.

Impressão minha ou nos permitimos bem menos do que poderíamos?

A classe média na sua vidinha de assistir Big Brother me assusta. Onde encontrar espaço para tanto vazio?

Mas vamos nessa. "As horas nuas" me olham aqui ao lado e minhas personagens me dão tapas na nuca: "Como é que é, vai acabar logo este livro ou não?".




[Foto de Fernando Mainar, Correio do Povo virtual em 19/02/2012]