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02 novembro 2020

Cabelos

 Nas mulheres o cabelo carrega muito de simbólico.

Nunca é apenas um corte, uma outra cor ou um penteado diferente. É sempre algo mais, algo que está sendo dito.

Quando assumem os fios brancos pode ser o nascimento de uma nova mulher, uma virada de Saturno, a libertação ou o filho que vem.

Os cabelos crespos crescem como afirmação da identidade, como manifestação, a luta contra os modelos de uma cultura que oprime.

Tiaras, lenços e madeixas. Que venha tudo e que venha belo.

As mulheres com câncer se mostram sem eles ou cobrem de rosa suas cabeças. O cabelo continua falando, mesmo sem estar ali.

Não há quem não goste de ter os seus acariciados, homens e mulheres. Mesmo que sejam meia dúzia os fios sobreviventes.

Cabelos também podem acarinhar o rosto, grudar-se pelo corpo, se espalhar pelos espaços todos da casa, entupir o ralo do banheiro, demarcar o território enlouquecido da paixão.

Nós, homens, cortamos o cabelo e pouco ou nada acontece.

As mulheres, com dois lances quase inocentes de tesoura, mudam completamente o rosto e adquirem outra expressão.

A linguagem dos cabelos carece de leitura e olhos sensíveis. 

E há cabelos para os quais se poderia, com prazer, render culto.


30 maio 2020

Carta a um amigo escritor


Carta a um amigo escritor
Recebi “As Cartas Místicas” no início da Semana Santa e dediquei-me com entusiasmo a leitura. Tocou-me, como era o desejo do autor. Tocou-me por dentro, alma, cérebro, vísceras. Tem muita vida e muito sangue nessas cartas. Muita alegria e muita poesia, também.
As emoções mais conflituosas eu vivi, enquanto lia As Cartas Místicas e outras alegrias crônicas. Senti que as outras alegrias crônicas estabeleceram em minha mente a suavidade de um barco, deslizando em uma calmaria oceânica.
Caro amigo Elenilton, seu texto efusivo encanta. Sua sutileza inteligente em narrar fatos, apontando as agruras do cotidiano, movimenta a carne do humano, que há em nós, e que muitas vezes está dormente ou ausente, envolvida, na brutalidade de tudo.
Destaco algumas pela preciosidade do que ali está contido e pela intensidade do que produziu em mim. Da percepção atenta de “Pájaros” à serenidade delicada de “Sob o sol de Sagitário”, há uma comovente fala, que circunda os dias e as horas. Não posso deixar de apontar para a eloquência de “A saudade de uma cadeira vazia”, bem como a solenidade de “Quando encontrei o nome dela”. Os ritos quase litúrgicos de “A sopa” e o “Teatro do Teleco”, tem lágrimas e sorrisos. E a alquimia orgiástica e estética atingem o âmago do ser gente, na leitura de “Raul Seixas entre o Rock e a Filosofia e Belchior. Ao ler, imaginando, “Aquela Mulher”, reuni em mim a síntese da mística do que você quis mostrar.
Suas Cartas têm o manancial lírico, severo, crítico, amargo, lúcido, doce, próprio dos que sabem escutar os sons do mundo e entrar na dança das palavras, compartilhando saberes.
Obrigada pela alegria que suas cartas me fizeram viver.
Cecilia Pires

(Cecilia Pires é Doutora em Filosofia, escritora e poeta. Esta carta foi publicada no Facebook, como comentário ao livro "As Cartas Místicas").

26 maio 2020

Uma bela homenagem

O presidente reuniu um grupo de pessoas para homenageá-las.
Havia ali uma enfermeira, um policial, um gari, médico, socorrista, uma bombeira etc.
Cada pessoa representando um grupo destes seres que nos protegem, curam, organizam, higienizam.
Era um ato, um ritual, uma forma solene de dizer que todos respeitamos estas categorias, e que elas são essenciais nesse momento complicado da vida.
Um agradecimento coletivo, em nome de toda nação.
O presidente ali representava a nação.
Três artistas cantaram uma linda canção, emocionante. As pessoas choraram, porque a arte tem esse poder de dizer as coisas de um jeito que todo mundo entende, ou que todo mundo gostaria de dizer.
Foi lindo. Foi importante. Foi respeitoso demais para que não se fale algo sobre aquele momento.
E foi na Casa Rosada, a sede do governo da Argentina.
Deve ser muito bom ter um presidente.
Deve ser muito bom viver em um país minimamente civilizado.