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09 dezembro 2022

 Ela tem 15 anos e luta contra a depressão. Seus braços marcados revelam sua dor. Rejeitada na escola e invisível nas ruas. Na solidão dos dias ela vai tentando reunir forças para viver e sonhar. Este livro é seu diário. Um caderno que a acompanha e onde registra seu cotidiano na escola, os amigos, a família, em textos e desenhos que rabisca pelas páginas.


Por que ler este livro?
Para entender melhor a depressão, que é real. O sofrimento das pessoas é verdadeiro, e você precisa pensar melhor sobre isto. Pare. Leia. Entenda.
“A Felicidade é um quase nada” é um romance que fala sobre depressão e adolescência, sempre a partir do olhar de uma garota de 15 anos.
É ela que nos conta sua vida, suas paixões e sonhos.
Esta é uma história que joga luz sobre um drama de milhões de pessoas, jovens e adultos de todas as idades.
Abra o livro e embarque no universo particular de uma adolescente, onde o mistério e o poder dos afetos podem transformar a realidade.


Meu novo livro foi lançado na primavera, em várias feiras do livro: Porto Alegre, Osório, São Leopoldo.

Está disponível nas livrarias e lojas virtuais, e também no site da editora Libretos: www.libretos.com.br

@eleneukamp

13 abril 2022

A procura

Eu te procuro nos becos, nas ruas, 
no meio das gentes, entre manequins pálidos, 
vitrines, sonho, sono 
e cheiros de urina e pipoca 

 Eu procuro sedento o teu olhar sob as máscaras,
 as marquises, as cores difusas do dia 

Quero te convidar para que 
venha comigo inventar um amor 

 Pode ser bem pequeno, esse amor 
que caiba na eternidade de uma noite ou
 na beleza despudorada 
da lua cheia nascendo no mar 

 Pode ser bem grande, esse amor 
sem cabimento, nem limite de tempo, 
espaço, de loucura e lucidez 

 Eu te procuro pra dividir 
esse sonho modesto
 de mudar o mundo 
dentro e fora de nós

20 janeiro 2022

Elza Soares por ela mesma

'Um dia descobri que cantava. O meu filho mais velho João Carlos estava morrendo e eu já tinha perdido 2 filhos e não queria perder mais um. Eu não tinha dinheiro pra cuidar do meu filho e ouvi no rádio que o programa do Ary Barroso de calouros Nota 5, estava com o prêmio acumulado. Não sei como, mas eu sabia que ia buscar esse prêmio! Fiz a inscrição e me avisaram que eu precisava ir bonita. Mas eu não tinha roupa nem sapatos, não tinha nada! Então, eu peguei uma roupa da minha mãe, que pesava 60kg e vesti, só que eu pesava 32kg, já viu né? Ajustei com alfinetes. Tudo bem que agora é moda ne? Hoje até a Madonna usa, mas essa moda aí fui eu que comecei viu? Alfinetes na roupa é muito meu, é coisa de Elza! No pé coloquei uma sandália que a gente chamava de “mamãe tô na merda”, e fui! Quando me chamaram, levantei e entrei no palco do auditório. O auditório tava lotado, todo mundo começou a rir alto debochando de mim Seu Ary me chamou e perguntou: - O que você veio fazer aqui? - Eu vim Cantar! - Me diz uma coisa, de que planeta você veio? - Do mesmo planeta seu Seu Ary. - E qual é o meu planeta? - PLANETA FOME! Ali, todo mundo que estava rindo viu que a coisa era séria e sentaram bem quietinhos. Cantei a música Lama. O Gongo não soou e eu ganhei, levei o prêmio e meu filho está vivo até hoje, graças a Deus! De lá pra cá, sempre levo comigo um Alfinete. Naquela época eu achava que se tivesse alimentos pros meus filhos, não teria mais fome. O tempo passou e eu continuei com fome, fome de cultura, de dignidade, de educação, de igualdade e muito mais, percebo que a fome só muda de cara, mas não tem fim. Há sempre um vazio que a gente não consegue preencher e talvez seja essa mesma a razão da nossa existência.' Elza Soares

02 outubro 2021

Fica filosofia, sai retrocesso!

Segundo o que me disse um livro, as antas são mamíferos enormes e pesados. Criam um caminho no meio da mata que atravesse sua comida e chegue até alguma fonte de água. O caminho das antas é seguro. Todos os dias elas retornam por ele até a comida e a água. As onças vasculham muitos caminhos. E gostam de comer antas. O caminho das antas até pode ser seguro, mas no momento em que uma onça o encontra não há mais nenhuma saída. A onça sabe que basta apenas deitar na moita e ficar esperando. Antas são previsíveis. Onças são implacáveis. Brinco com os alunos desenhando um caminho de anta no quadro. E o riachinho mal rabiscado lá embaixo, onde ele sempre dá. A metáfora pode ser pobre, confesso. Porém, o objetivo é nobre: Ressaltar a importância das aulas de filosofia. Não cabe à Filosofia mostrar caminho nenhum a ninguém (para isto temos os condutores de almas em vários formatos e preços). Ela nos abre a possibilidade de vislumbrar outros caminhos, atalhos cheios de descobertas. Mostra um mundo onde só havia um muro, e aí estou sendo quase literal. Na sala de aula ela trabalha conceitos, que podem vir da tradição do pensamento ocidental ou da linguagem da quebrada. Lembro agora de um aluno, na Restinga, que depois de uma rica discussão durante a aula veio me comunicar uma decisão. “Sôr, sabe eu pensei...não vou mais trazer o ferro pro colégio”. Aí entendi o fato de que ele passava o tempo todo com a mochila nas costas, mesmo durante o intervalo. Andava armado por medo. Um medo que foi desmontado a partir das falas dos próprios colegas, no meio de uma aula de filosofia. Aquela discussão, daquela forma, só aconteceria naquela aula. Porto Alegre foi uma cidade pioneira quando resolveu incluir no currículo das escolas municipais a disciplina de filosofia. Uma bela oportunidade oferecida a jovens de periferia, no ensino fundamental. Afinal, por que a filosofia deveria ser apenas privilégio dos matriculados em escolas de classe média alta e ricos? As aulas de filosofia muitas vezes antecipam questões que depois se tornam assuntos de todos. Nos últimos dez anos um dos grandes temas foi a depressão, em suas mais variadas expressões. A depressão como doença, como perda, ansiedade, e até como a tristeza de não poder sair de casa à tarde porque o traficante da rua proibiu. Quando estudamos, por exemplo, a mediania de Aristóteles, é a vida que surge. Como encontrar o equilíbrio entre dois excessos? Onde está o meio termo entre o medo de sair do próprio quarto (covardia) e a sensação de que posso fazer qualquer coisa na rua (destemor)? Como chegar a uma boa alimentação, que não seja nem exagero no comer, nem passar fome para tentar ter “um corpo perfeito”? A vida acontece e é pensada enquanto se discutem grandes temas e filosofias variadas: Epicuro, Platão, Simone de Beauvoir etc. Outro dia, uma aluna de C10 (corresponde em idade a antiga sexta série), me disse que havia pensado sobre as coisas que ela comprava (e que não precisava) depois de uma aula sobre Diógenes. Durante a aula, em nenhum momento foi utilizada a palavra “comprar”, nem tampouco “consumo”. O pensar acontece como construção a partir da provocação trazida pelo filósofo. Não é um discurso do professor. Há várias formas de trabalhar esta disciplina nas escolas, e a variedade de abordagens deve estar próxima ou igual ao número de professores e professoras. Isto é uma riqueza. O que há em comum é a tradição, a própria história da filosofia e os clássicos. Tudo o mais são experiências de aprendizado. Registrei uma destas experiências de sala de aula no livro “A Caixa de Perguntas” (Libretos), que enviei recentemente para a secretária de Educação de Porto Alegre. Outro dia podemos falar sobre ele. Agora preciso retornar às antas, onças e caminhos mais urgentes. Não sabemos exatamente por que, mas a prefeitura de Porto Alegre, através de sua Secretaria de Educação (SMED), resolveu simplesmente retirar a filosofia do currículo das escolas. E não só. História e Geografia também tem seus horários reduzidos. Não sei, mas corremos aí o risco de construir um caminho de anta perfeito. Para ocupar este vazio curricular criado, ela pretende aumentar a carga horária de Português e Matemática, e inserir como um período fixo o Ensino Religioso (que é facultativo). Em troca, a prefeitura promete criar “possibilidades de um um trabalho interdisciplinar de Filosofia desde os anos iniciais...”, o que significa que não deve acontecer nada. As pessoas gostam de usar certas palavras para disfarçar o que está evidente. A única justificativa usada é “a adequação à legislação vigente”. Mas aí temos um outro problema: a prefeitura usa a legislação estadual e esquece que neste sentido somos regidos pelo Conselho Municipal de Educação. Talvez a atual administração queira deixar suas garras, suas marcas na educação da cidade. Como uma onça? Não creio. Só se for uma onça que queira agradar às antas que acreditam nas tolices dos grupos de terra plana do WhatsApp. Como aquela mãe que retirou seu filho da escola ao descobrir que ele era gay. Segundo ela, o filho teria sido ensinado a ser assim. Economia de recursos? Também não parece, pois precisariam contratar professores. Além disto, acabam de nos roubar vários direitos e anos de aposentadoria, e já haviam destruído nosso plano de carreira. Estamos há vários anos com os salários congelados. Por que então? Como diria um amigo mais velho, “só sei que nada sei”. Outro argumento seria que precisamos de mais Português e Matemática, porque estas disciplinas são cobradas nas provas nacionais de avaliação. Esta é uma visão pobre de educação, por várias razões. E mais horários poderiam ser oferecidos no contraturno como aulas de reforço, laboratórios de aprendizagem etc. De qualquer forma, é preciso dizer: as coisas são mais complexas. Não é apenas uma questão de tempo, mas também de fome, miséria, contexto. Basta observar os mapas de resultados. Quanto mais periférica a escola, piores os resultados. Retirar a filosofia não aumentará índice algum. Só irá empobrecer o repertório oferecido. É como prometer melhorar a alimentação de alguém, retirando um dos ingredientes do prato. Vivemos um momento estranho. Em tempos bem recentes, os políticos enchiam a boca falando em educação. Educação era a solução de tudo, e todos prometiam investir nela. Nas propagandas o fulano “construiu tantas escolas infantis”, “abriu tantas vagas nas escolas”, “melhorou a merenda escolar”. Imagens de crianças brincando felizes e de escolas limpinhas e reformadas ocupavam a propaganda eleitoral. As mães apareciam sorrindo e elogiando. Agora talvez teremos prefeitos babando em frente às câmeras, aos gritos: “Eu acabei com essa farra de filosofia!”, “Eu proibi aula de história..pra que estudar história?”, “Ninguém precisa de geografia”, “Pensar é coisa de fresco!”, e por aí vai. Sempre com uma turba de alucinados para aplaudir. Triste é perceber que pessoas com formação em educação se prestem a fazer o serviço sujo, tentando passar verniz sobre dejetos. Não sei a quem pensam enganar. Quando comecei meu caminho como professor, há 25 anos atrás, havia uma espécie de clichê no ar. A ideia de que ao poder, ou aos “poderosos” não interessava um povo educado. Hoje percebo o quanto fazia e faz sentido. O empobrecimento de educadores e educadoras é um projeto, assim como a tentativa clara de eliminação de tudo o que lembre reflexão. São retrocessos bem planejados. Estamos diante da tentativa de mais um, na cidade que já foi um dia um porto alegre para a cultura e a educação. Fica Filosofia, sai retrocesso! Elenilton Neukamp, professor de Filosofia da rede municipal de Porto Alegre.

27 agosto 2021

A filosofia e o caminho das antas

Meus alunos perguntam onde nasci. Aproveito a deixa. Nasci em Poço das Antas. A inevitável pergunta: quem nasce lá, o que é? Sempre tem um engraçadinho pra caçoar lá no fundo da sala. Eu também acho graça. Segundo o que me disse um livro, as antas são mamíferos enormes e pesados. Criam um caminho no meio da mata que atravesse sua comida e chegue até alguma fonte de água. Seguem sempre aquele mesmo caminho estreito. O caminho das antas é seguro. Todos os dias elas retornam por ele até a comida e a água de novo. As onças vasculham muitos caminhos. E gostam de comer antas. As onças não são vegetarianas. O caminho das antas até pode ser seguro, mas no momento em que uma onça o encontra não há mais nenhuma saída. A onça sabe que basta apenas deitar na moita e ficar esperando. Antas são previsíveis. Se imaginam geniais nas certezas que construíram trilhando sempre o mesmo caminho. (Ah, leitor, deixa de ser chato! É claro que eu sei que anta "não se imagina genial coisa nenhuma". É só um jeito de dizer, de inventar uma imagem pra dizer uma coisa...tá entendendo?) Já posso até imaginar uma velha anta dizendo: "Isto eu sei muito bem, já faço isso há trinta anos!". As antas apenas repetem os mesmos comportamentos, o mesmo padrão. Por isso se tornam a comida predileta das onças. As antas pensam que tem muita experiência, mas o que elas têm é muitos anos de repetição. É só aguardar, sabem muito bem as onças. Você anda por todos os lados, fareja bem, vasculha...e aí está o caminho da anta. É um pulo só. Vapt vupt! E está pronta a refeição. Calorias para muitos dias. Humm...delícia! Brinco com os alunos desenhando um caminho de anta no quadro. E a aguinha la embaixo, que é onde o caminho sempre dá. Um caminho é fácil de decorar e talvez até passe uma grande sensação de segurança. Mas a onça atravessa os caminhos - a onça que vem travestida de mil mantos e faces. Na vida possivelmente existam bilhões de possibilidades de caminhos, tantas quantas esses bilhões de pessoas que somos poderiam imaginar. Então por que se contentar apenas com aquele caminho das antas? Há muitos outros caminhos por se descobrir e inventar. Não cabe à Filosofia mostrar caminho nenhum a ninguém. Isto quem faz são os pastores de almas e os políticos. "Tudo gente fina, meu advogado jura", como disse o Raul Seixas. Mas ela nos ajuda a inventar outras rotas, outros atalhos que subvertam a dureza do asfalto e a retidão das linhas que dividem as vias da vida. A filosofia constrói e destrói conceitos. Mostra um mundo onde só havia um muro. Dizem que é prima-irmã da poesia, mãe da ciência (que às vezes é filha pródiga), despertadora de rebeldias para muito além da adolescência. Filosofar não é luxo. É necessidade.

26 fevereiro 2021

Sidekum

 Antônio Sidekum nos deixou ontem. Como tudo nesta pandemia, até a terrível notícia da morte de um amigo chega de um modo estranho. 

Muito falamos sobre a morte, eu e o Antônio. Tema dos existencialistas. Apesar de ter sido seminarista e de ter por toda a vida contato com religiosos, ele era ateu. Radicalmente ateu, eu diria. Porém, colocava em prática o que defendia em sua produção intelectual: o diálogo, a abertura para o outro (este estranho).

Conheci o filósofo Antônio Sidekum pelo caminho da política. Acho que é a primeira vez que falo sobre isto, assim publicamente. E não lembro se voltamos a este tema. Ele me procurou, isto lá pelos anos noventa, para fazer parte do Partido Verde. Eu era presidente do partido na cidade, e ele pretendia entrar na discussão pública. Maluca a vida. Lembro que fiquei umas duas horas esperando por ele, durante uma aula incompreensível para mim. Conversamos sobre os problemas do mundo, a natureza... Por ser um cara introvertido, esse projeto não andou. Assim como o PV. 

Depois fui seu aluno de Filosofia, e foi onde nossa amizade iniciou. 

Antônio Sidekum foi um dos meus grandes professores, um de meus mestres na filosofia. Professor incrível. Sempre ligava o assunto, ou o filósofo abordado, com a história e a cultura da época. Sempre havia a dica de um filme para entender melhor o ambiente daquele autor. Um livro, vários livros. E música. "Para entrarem no clima do pensador, escutem o movimento tal do autor tal...". Uma pessoa de uma cultura vasta. E de uma generosidade vasta também.

Suas aulas não tinham intervalo, e ninguém sentia falta. Íamos direto, do início até o último minuto. Quando a disciplina era na sexta, muitas vezes a aula seguia fim de semana adentro. A turma era convidada a fazer um banquete filosófico. No outro dia estávamos lá em sua casa, cada um levava algo para comer, uma garrafa de vinho, algo para alegrar o coração. Tudo se discutia ali. E ele trazia livros, textos originais. Até quando falava em comida tinha o que ensinar. Ninguém saía de mãos ou mente vazia. Com o tempo, nós mesmos passamos a organizar estes banquetes, onde escolhíamos um autor para ler e discutir.

Na sua casa de São Leopoldo havia uma torre de observação, onde ele ia nas noites de tempestade. Era uma espécie de refúgio. 

Criou uma editora, a Nova Harmonia, por amor à cultura e ao conhecimento. Investia seu dinheiro no que acreditava. Por ela, publiquei meu primeiro livro, sobre Nietzsche. O segundo, foi uma história que ele me encomendou, sobre um monge e uma freira. Um amor proibido. O livrinho era vendido juntamente com o licor de nozes, delicioso, que ele produzia. A história do amor proibido talvez tivesse relação com sua dificuldade em lidar socialmente com seus amores. 

Tínhamos um projeto de livro para registrar a sua história. Antônio foi torturado durante a ditadura, quando era estudante de filosofia em Viamão (RS). Depois da prisão e da tortura, acordou em plena Praça da Alfândega (Porto Alegre), nu e todo machucado. Demorou para lembrar quem era. Esta experiência terrível era um trauma. Um dia me mostrou os documentos, que ele conseguiu através da OAB de São Paulo, que os serviços da repressão fizeram sobre ele. Eram fotos, relatos de gravações, fichas policiais. Tudo em detalhes. Até festas em que esteve, conversas em acampamentos de juventude. Sempre havia um espião, um verme à espreita. O fato dos torturadores não terem sido condenados lhe causava repugnância. 

Lutava pelos direitos humanos e sempre a favor dos "condenados da terra". Isto já basta para engrandecer um homem.

Estou aqui escrevendo várias coisas. Mas o que quero dizer mesmo é que dói perder um amigo. Sua obra, seu trabalho intelectual segue vivo em sua produção, nos livros que escreveu, editou e ajudou a divulgar. As longas tardes de conversas, as piadas, a amizade, ficam na memória. No coração.

Triste. Porém, "é preciso arrancar alegria ao futuro". 

Antônio Sidekum, presente!