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27 outubro 2011

Um amor eterno

Anteontem um aluno (tímido) veio ao meu encontro na sala de aula. Olhando desconfiado para os lados, disse que precisava falar comigo sobre "um assunto". No final da aula, intimidou-se com a presença de alguns colegas e disse que ficaria para outro dia.
Ontem voltei a ter aulas com aquela turma. Ele falou então, num tom quase inaudível, de seu drama. Ando meio surdo de tanto ouvir, pedi que repetisse várias vezes alguns trechos de sua narrativa.
Havia marcado um encontro, na sexta, com uma garota pela qual está apaixonado. "Mas eu não pude ir sor, aí ela ficou braba comigo". Eu disse que ele estava apaixonado? Perdão, menti. Ele me falou em amor, em não conseguir viver sem ela. Afinal, já viveu seus longos 12 anos de vida sem a presença dela. Agora se tornou insuportável, não há por que esperar mais. Doze anos é muito tempo sem o amor da sua vida.
E ele não tentou falar com ela depois? Claro que tentou. Vocês pensam que ele já não fez isto? Fez sim. Por vias indiretas, diga-se de passagem. Mas as amigas que foram dar o recado voltaram com um semblante carregado de más notícias. Ele ficou angustiado.

Tentei acalmá-lo, dizendo que a melhor maneira de resolver um problema é conversando. "Então eu tenho que ir falar com ela?". Olha, na idade dele o máximo que eu conseguiria fazer é escrever um bilhete. Se tivesse coragem. É óbvio que eu não lhe disse que nunca tive essa coragem. E que ficava apaixonado um ano inteiro por uma menina que jamais desconfiava disto (até porque morria de medo que ela percebesse).

Chegou o recreio e ele reuniu suas forças, organizou suas estratégias e encontrou enfim a melhor maneira de falar sem tremer os joelhos. Ou, em outras palavras, controlar os tremelicos e ao mesmo tempo organizar sons e proferir algo minimamente compreensível. Não deu certo. Por que o mundo é tão injusto com os tímidos?
Voltou do recreio inconsolado, desconsolado, maltratado por uma mulher cruel e desumana. "Ela olhou bem na minha cara e disse que não me quer nem pintado a ouro". E por que tamanha insensibilidade? Porque ele não foi no encontro da sexta, teve que fazer algo para sua avó.
"O que eu faço agora sor?".
Sua pergunta era sincera, candente, urgente. A maior pergunta da sua existência naquele instante. Poderia ter-lhe dito que as mulheres são assim mesmo, cruéis. Mas estaria mentindo, porque em crueldade e brutalidade os homens são especialistas há milênios. Seria perda de tempo tentar, naquele momento, um passeio pela breve história humana na Terra...o domínio masculino e sua tendência tosca a produzir a guerra e a destruição. Até porque ali, diante de mim, estava um jovem coração destruído.
Sem resposta ou filosofia alguma para lhe propôr, fiz o que em outros tempos seria minha melhor ação diante de uma mulher que me nega atenção - nada. Fiquei quieto. E reproduzi aquele movimento tradicional com os ombros, meio consolo meio desilusão.

Naqueles 50 minutos de aula ele se apagou. Parou de fazer o trabalho. Tirou o moletom. Escondeu-se, chorou, passou a maior parte do tempo cabisbaixo. Quando levantou a cabeça seus olhos estavam vermelhos e lacrimosos. Apenas pude lhe oferecer um olhar acolhedor. A experiência é necessária e supera em muito a racionalização, que apenas vai se dar em geral muito tempo depois. Em se tratando de amor não há manual, nem autoajuda. E isto todo mundo já sabia, muito antes de antes de antigamente.

Passou o período. E nos últimos dois ou três minutos de aula ele ressuscitou. Renasceu das cinzas como aquela ave mitológica. Sorriu, brincou até. O moletom úmido ainda das lágrimas foi rodado, balançado, colocado na cintura. Ainda sobraram uns segundinhos pra dar uns tapas no colega ao lado, por "puro arreganho", brincadeira mesmo. "Porque sabe, sor, aquela guria não me merecia mesmo...".

E saiu da sala com alegres cumprimentos, em leve corrida para dentro de sua sadia adolescência. Preparando-se e preparado para o próximo amor eterno que em breve deve cruzar o seu caminho.

24 outubro 2011

Elenilton, 39


São tempos meio malucos estes, até na comemoração dos aniversários. De qualquer forma, é inevitável que a gente pense na vida neste dia.

Recebi várias felicitações muitos dias antes da data, o que achei curioso.
Você percebe que o tempo está passando quando uma criança, que você não conhece, lhe envia uma mensagem de parabéns. A menina é filha de uma ex-aluna e assim se identifica, me chamando de "sor" e me conquistando com sua simpatia.
Também não posso deixar de registrar a gentileza da primeira-dama do Estado, que me felicitou por este dia. Entre a menina e a primeira-dama, uma constelação de amigos e amigas que fazem a vida fazer sentido.

Aos 39 já sou amigo dos filhos de meus amigos. E me identifico com eles, porque apesar de ter 39 anos de idade, tenho 16 de vontade e uns 50 de nostalgia - de passados que nem vivi e de futuros que irão se inventar.

Aos 39 ainda não sei comer massa direito, nem apontar um lápis sem que a ponta quebre. Faço tudo em casa, e sei cozinhar relativamente bem (às vezes muito bem), mas nunca soube muito bem como fritar um ovo. Vê-se que há coisas que não aprendemos nunca. Gramática, por exemplo. Escrevo sem saber das regras e parece que as coisas vão bem. Ao menos as palavras nunca reclamam de maus tratos...

Todos os dias aprendo alguma coisa nova com meus alunos e alunas. E as dezenas ou centenas de mensagens e e-mails que recebo todos os meses são a prova de que os professores seguem sendo importantes na vida das pessoas. Com emoção reencontro ou sou reencontrado quase todos os dias.

Estou na velhice de minha adolescência. O que quer dizer que agora consigo elaborar melhor aquela antiga indignação, que quanto mais antiga maior fica.
Não me corrompi nem entrei no jogo. Por isto encaro com alegria aquele menino de vila que fui e que segue vivo em mim. Eu não o traí. Nem mudei de lado. Estou na classe média, mas sem nenhum deslumbramento com suas ilusões de consumo. Sou o mesmo cara simples que você conheceu, com 12, 16, 23 ou os 39 anos de agora.

Aos 39 estou lendo mais poesia e literatura. A Filosofia vem em doses homeopáticas e certeiras. Sigo escrevendo. Livros prontos, mas a velocidade de publicar é mil vezes menor do que o desejo de vê-los passeando na rua nas mãos de bons leitores.

Aos 39 ainda preciso explicar meu daltonismo (que eu mesmo não entendo). Enxergo todas as cores mas só sei o nome das primárias. Me dizem "é aquele ali, o cinza..." e é como se estivessem falando grego. As pessoas pensam que 'me faço de louco', mas não é verdade: a loucura já veio incluída no pacote, é hereditária.
Mas mesmo sem entender as cores, e no meio de minha eterna rebeldia com as injustiças do mundo, sigo vendo e inventando cores e nomes.

Toda semana escrevo alguma coisinha no "Blog do Elenilton".

E a foto mostra um momento entre eu e meu guia para um mundo melhor, o Érico. É ele que tem ocupado meu tempo e meus maiores esforços neste 2011. É um doce, e uma hora dessas eu apresento pessoalmente pra vocês.

No mais, obrigado pelo carinho e seguimos. Porque 'o caminho se faz ao caminhar'.

18 outubro 2011

Veneno para as crianças

Quem trabalha em escolas percebe com facilidade o exagero na medicalização de crianças e adolescentes. Qualquer indisciplina, bagunça, ou os exageros próprios da adolescência são vistos como problemas de saúde passíveis de intervenção com medicamentos. O que antes era causado pelo destino ou por um deus interventor, agora faz parte de outro fatalismo: do DNA, da hereditariedade, dos distúrbios catalogados pela sagrada Ciência.
Não é raro ouvir comentários do tipo "o fulano só pode ter problemas mentais", ou "tem indícios de hiperatividade", "transtorno bipolar", "já nasceu sequelado" etc. Falamos de termos médicos/psicológicos como se falássemos de uma receita de bolo.
O discurso que sustenta estas posturas tem nome e endereço conhecidos: a indústria farmacêutica. Ou você acha que as matérias de capa em revistas como a Veja (e outras) falando de remédios milagrosos são obra do acaso?
A indústria das drogas permitidas é uma das mais rentáveis do mundo. Perde apenas para a de armas e a de cocaína. E não sejamos ingênuos: não há bondade alguma nela.
Os médicos que são leitores deste blog certamente estão pensando "tudo bem, mas há drogas necessárias para os tratamentos...". É claro que estamos de acordo nisto. Mas quando falamos em drogas psiquiátricas a conversa é outra. E se os pacientes que tomam estas drogas são crianças e adolescentes a situação é bem mais séria. Nos Estados Unidos - que nós insistimos em imitar - já são algo como 500 mil crianças de 2 a 7 anos tomando antipsicóticos! Pare e pense neste número. 500 mil crianças pequenas. Eles são uma nação psicótica ou há um exagero na medicalização?
Existem casos (graves ou não) em que o medicamento é necessário, com certeza. Mas há uma imensidade de sintomas que fazem parte da existência, e necessitam muitas vezes mais a companhia de um bom amigo do que qualquer outra coisa.
Um fato é indiscutível. A indústria farmacêutica ganha muuuito com isto. E patrocina congressos médicos, cursos, universidades. É ética esta relação entre a indústria e os médicos? Muitos médicos e estudiosos afirmam categoricamente que não.
Uma destas pessoas lúcidas é a médica americana Marcia Angell. Reproduzo abaixo uma entrevista com ela publicada hoje na Folha de São Paulo.
É coincidência o fato de hoje ser o Dia do Médico. Mas, aproveitando a data, deixemos de lado as homenagens chatas. Há uma infinidade de médicos ruins por aí. Todo mundo já topou com eles. Não sejamos cínicos. Os bons médicos (e há alguns que são meus leitores) sabem que a valorização da medicina passa por outros caminhos. Um deles é chamar a atenção para este domínio do mercado sobre o ato de tratar e buscar a cura ou o alívio para alguém... Quando você chama a atenção para quem age equivocadamente, indiretamente lança um elogio para quem age de forma diferente.






Folha de São Paulo, 18 de outubro de 2011.

Estamos dando veneno para as crianças

MÉDICA ATACA INDÚSTRIA POR ESTIMULAR USO DE REMÉDIOS PSIQUIÁTRICOS PARA PACIENTES INFANTIS



A médica americana Marcia Angell, 72, ex-editora da revista especializada "NEJM" e autora do livro "A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos"

CLÁUDIA COLLUCCI
DE WASHINGTON

Primeira mulher a ocupar o cargo de editora-chefe no bicentenário "New England Journal of Medicine", a médica Marcia Angell já foi considerada pela revista "Time" uma das 25 personalidades mais influentes nos EUA.
Desde 2004, Angell, 72, é conhecida como a mulher que tirou o sossego da indústria farmacêutica e de muitos médicos e pesquisadores que trabalham na área.
Naquele ano, ela publicou a explosiva obra "A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos", que desnuda o mercado de medicamentos.
Usando da experiência de duas décadas de trabalho no "NEJM", ela conta, por exemplo, como os laboratórios se afastaram de sua missão original de descobrir e fabricar remédios úteis para se transformar em gigantescas máquinas de marketing.
Professora do Departamento de Medicina Social da Universidade Harvard, Angell é autora de vários artigos e livros que questionam a ética na prática e na pesquisa clínica. Tornou-se também uma crítica ferrenha do sistema de saúde americano.
Tem se dedicado a escrever artigos alertando sobre o excesso de prescrição de drogas antipsicóticas, especialmente entre crianças. "Estamos dando veneno para as pessoas mais vulneráveis da sociedade", diz ela.
Mãe de duas filhas e avó de gêmeos de oito meses, ela diz que recebe muitos convites para vir ao Brasil, mas se vê obrigada a recusá-los. "Não suporto a ideia de passar horas e horas dentro de um avião." A seguir, trechos da entrevista exclusiva que ela concedeu à Folha.



Folha - Houve alguma mudança no cenário dos conflitos de interesses entre médicos e indústria farmacêutica desde a publicação do seu livro?
Marcia Angell - Não. Os fatos continuam os mesmos. Talvez as pessoas estejam mais atentas. Há mais discussão, reportagens, livros, artigos acadêmicos sobre esses conflitos, então eles parecem estar mais sutis do que eram no passado. Mas é claro que as companhias farmacêuticas sempre encontram uma forma de manter o lucro.

E os pacientes? Algumas pesquisas mostram eles parecem não se importar muito com essas questões.
Em geral, os pacientes confiam cegamente nos seus médicos. Eles não querem ver esses problemas.
Além disso, as pessoas sempre acreditam que os medicamentos sejam muito mais eficazes do que eles realmente são. Até porque somente estudos positivos são projetados e publicados.
A mídia, os pacientes e mesmo muitos médicos acreditam no que esses estudos publicam. As pessoas creem que as drogas sejam mágicas. Para todas as doenças, para toda infelicidade, existe uma droga. A pessoa vai ao médico e o médico diz: "Você precisa perder peso, fazer mais exercícios". E a pessoa diz: "Eu prefiro o remédio".
E os médicos andam tão ocupados, as consultas são tão rápidas, que ele faz a prescrição. Os pacientes acham o médico sério, confiável, quando ele faz isso.
Pacientes têm de ser educados para o fato de que não existem soluções mágicas para os seus problemas. Drogas têm efeitos colaterais que, muitas vezes, são piores do que o problema de base.

A sra. tem escrito artigos sobre o excesso de prescrições na área da psiquiatria. Essa seria hoje uma das especialidades médicas mais conflituosas?
Penso que sim. Há hoje um evidente abuso na prescrição de drogas psiquiátricas, especialmente para crianças.
Crianças que têm problemas de comportamento ou problemas familiares vão até o médico e saem de lá com diagnóstico de transtorno bipolar, ou TDAH [transtorno de déficit de atenção e hiperatividade]. E é claro que tem o dedo da indústria estimulando os médicos a fazer mais e mais diagnósticos.
Às vezes, a criança chega a usar quatro, seis drogas diferentes porque uma dá muitos efeitos colaterais, a outra não reduz os sintomas e outras as deixam ainda mais doentes.
Drogas antipsicóticas estão claramente associadas ao diabetes e à síndrome metabólica. Estamos dando veneno para as pessoas mais vulneráveis da sociedade.
Pessoas que acham que isso não é assim tão terrível sempre argumentam comigo que essas crianças, em geral, chegaram a um estado tão ruim que algo precisa ser feito. Mas isso não é argumento.

Hoje, fala-se muito em medicina personalizada. Na oncologia, há uma aposta de que drogas desenvolvidas para grupos específicos de pacientes serão uma arma eficaz no combate ao câncer. A sra. acredita nessa possibilidade?
Para mim, isso é só propaganda. Não faz o menor sentido uma companhia farmacêutica desenvolver uma droga para um pequeno número de pessoas. E que sistema de saúde aguentaria pagar preços tão altos?

Algumas escolas de medicina nos EUA começaram a cortar subsídios da indústria farmacêutica e de equipamentos na educação médica continuada. No Brasil, essa dependência é ainda muito forte. É preciso eliminar por completo esse vínculo ou há uma chance de conciliar esses interesses?
Deve ser completamente eliminado. Professores pagam para fazer cursos de educação continuada, advogados fazem o mesmo, por que os médicos não podem? A diferença é que você não precisa ir a um resort no Havaí para ter educação médica continuada. É preciso pensar em modelos de capacitação mais modestos. E, com a internet, todos os países, mesmo os pobres ou em desenvolvimento, podem fazer isso. A educação médica não pode ser financiada por quem tem interesse comercial no conteúdo dessa educação.

15 outubro 2011

Das alegrias de ser professor

Uma das mensagens recebidas hoje, neste "Dia do Professor":

"Olá meu querido mestre!!!! Quanto tempo né??? Gostaria de agradecer a ti por muitas condutas, que hoje direciono em minha vida, você que nos falava de política, do big bang, será que ele de fato ia acontecer?? Você que acreditava que eu era capaz, embora eu mesma duvidasse muitas vezes disso. Hoje busco entender a política que você nos falava tanto, para tentar mudar as várias nuances negativas, que me vejo obrigada a conviver. Enfim, obrigada pela parte de mim que pensa, questiona e revigora as atitudes para que o mundo um dia possa melhorar, você fez e faz parte da minha história. Obrigada!!! Um grande beijo."

Ângela Camargo


[creio que o "big bang" que a Ângela cita deva ser o tal "bug" do milênio, que aconteceria na virada do ano 2000 - que sequer era início de milênio]

09 outubro 2011

Palavreio

Palavreio é o nome do CD de Leandro Maia. Se você não conhece, chegou a hora de conhecer.
Parece um lugar comum das pessoas de mais de 30 ou 40 anos a ideia de que "música boa se fazia antes", "hoje falta criatividade". As pessoas se limitam às informações da grande mídia, dos seus artistas de consumo e dos "alternativos" criados a pão-de-ló.
Sim, hoje se faz muita música boa no Brasil. Mas como os grandes meios estão dominados pela indústria de cultura, você precisa procurar. Ouro não brota na terra.

"Palavreio" de Leandro Maia é uma destas pérolas da canção brasileira. É um CD, mas vai além. Também é um minilivro de poemas que mais parecem um pequeno tratado sobre a canção. Senão, olha só:

Escreveu
Não leu
Palco meu

Trata-se de um projeto que começa bem já pela capa, que reproduz uma pintura rupestre. Talvez para dizer que o ser humano é, também, antes de tudo um artista. Como fez sucesso no ano em que foi lançado (2008)e ganhou vários prêmios, imagino que possa estar esgotado.
O disco pode ser baixado no próprio site do artista: www.leandromaia.com.br ou no blog "Um que tenha". Mas, se você deseja presentear alguém especial, melhor mesmo é comprá-lo. É um belo trabalho, onde a palavra recebe o tratamento que merece. Musicalmente impecável, reunindo uma turma de feras como Marcelo Delacroix, Michel Dorfman e outros/as.

Segundo Leandro Maia, "a canção é uma forma de pensar à brasileira". E um coro fulminante inicia assim o disco:

Eu já corri o mundo inteiro
Eu tenho pé de cantador

Me convidaram pra nascer
me propuseram este falar
me obrigaram a crescer
e esquecer do meu lugar
mas resolvi desesquecer
me permiti me celebrar

...

desaprendi a obedecer
agora tem que me escutar...


Então o tema de casa de hoje é esquecer (como dizia pros meus alunos na primeira aula de História na 5ª série). Esquecer a ideia batida de que foram-se os bons artistas. A arte está aí. Mas precisamos estar de ouvidos atentos.

05 outubro 2011

Primaveras II

“Meus pais se conheceram num passeio da escola, aonde então venceram um concurso de beijos e ficaram juntos. Tiveram inesperadamente (o que não esperavam) uma grande família. Nasci no verão, sinto borbulhar em mim como na estação, o sangue que mal pode esperar para lançar na vida o primeiro grito de estação. Estou na primavera, mas, algum dia me libertarei e darei o sol...”


Escrito por uma aluna querida, então com 12 anos de idade. Hoje ela tem vinte e tantos e é mãe.
Nasceu o sol?

03 outubro 2011

De publicilismos e jornalidades

Pior que propaganda besta com a Gisele Bündchen, só mesmo o comentário de João Pereira Coutinho na Folha (falando sobre a propaganda machista protagonizada pela modelo). O cara é pago pra escrever, lá de Portugal, e se limita a repetir o jargão de que a publicidade "é assim mesmo".
Que a publicidade é o lugar privilegiado da mentira todo mundo sabe. A ARMA do negócio, porque no negócio não há alma nenhuma. Daí concluir que devemos engolir qualquer porcaria que nos lançam é outro papo. Por estas e outras não gosto do "olho de vidro" (como bem cunhou a Marcia Tiburi). Você liga a TV e vem aqueles sujeitos berrando (do tipo Casas Bahia), os carros velozes que levam qualquer um ao paraíso, ou um grupo de babacas sentado bebendo cerveja e falando alguma bobagem sobre a mulher gostosa que passa. Repetição e mais repetição de fórmulas pra lá de antigas.
Os jornalistas adoram babar o que chamam de "genialidade" dos publicitários. Não é de admirar. Salvo raras exceções em ambos os grupos, uns e outros vivem da ignorância alheia. A "genialidade" da publicidade brasileira é alicerçada na pouca formação e na infantilização de boa parte da população.
Isto sem falar dos grandes esquemas de corrupção cada vez mais comuns (envolvendo campanhas publicitárias superfaturadas que financiam campanhas eleitorais). Mas este é um tema proibido.

O jornalismo brasileiro anda tão miserável, que sequer trabalha com a possibilidade da crítica. Os jornalistas, em geral, se comportam apenas como os empregadinhos que repetem o discurso do patrão. Imagino os donos de jornais como sujeitos entediados, rodeados do famoso cordão dos puxa-sacos. Deve ser chato.
Se você ouve um já ouviu todos. Fascinados pelo meio e esquecidos da mensagem.

No Rio Grande do Sul são os radialistas chatos (por aqui temos o hábito de ouvir rádio). Para cada notícia, dez comentários. Os caras leem dez linhas sobre um assunto (recolhidas no Google) e já saem fazendo discursos. 99% das vezes - que coincidência - são falas condenando quem se manifesta, quem abre a boca, quem não repete aquilo que o chefe mandou dizer. Nós professores somos grandes vítimas, pois sempre há um comentarista disposto a dizer qualquer coisa sobre a educação ou como devem ser as nossas aulas. Eles não sabem NADA sobre educação, novamente em 99% das vezes. Certa vez desafiei um deles a trocar de lugar comigo por uma semana. Eu trabalharia na rádio e no jornal, ele daria minhas aulas. Uma semana apenas. Sei que teria muitas dificuldades, mas conseguiria produzir reportagens e veiculá-las. Entretanto, tenho minhas dúvidas se ele daria conta da tarefa de ensinar 10 turmas de adolescentes de periferia. Aliás, desconfio que aqueles discursos contra os professores iriam desaparecer em menos de um período (da aula que ele não conseguiria dar).

A última foi aquela "polêmica" tosca inventada pela própria mídia sobre o livro de Português. Nenhum deles leu o livro. Um ficou comentando o comentário do outro (Um amigo meu diria: "pura punheta"). E repetindo aquele discurso moralista que até poderia fazer algum sentido se eles realmente acreditassem no que estão falando.

Também gostam de condenar genericamente "os políticos". Falar mal dos políticos virou esporte. Só que, quando estão frente a frente com um deputado ou ministro (político, então) derramam-se em elogios e paparicações. Lamentável.

Por estas e por outras me informo mais pela Internet mesmo. E parece que muuuita gente também.
E ficamos aqui, eu e o Érico, escutando música e brincando.
Aprendo mais com meu filho que ainda nem sabe falar do que aprenderia com os sábios comentaristas acomodados nas rádios e na ditadura do olho de vidro.

02 outubro 2011

Sofia conversa com deus

Texto de minha aluna Érica, da turma C14, criando uma sequência para a introdução de "O mundo de Sofia" de Jostein Gaarder.


Sofia havia recebido outra carta, mas dessa vez foi diferente, ela viu quando uma criatura esquisita com olhos esbugalhados, sorriso sarcástico, uma cartola verde enorme, aproximadamente 1,45m de altura, largou a tal carta no correio e saiu correndo. Sofia achou que estava louca pois nunca havia visto durante os seus 14 anos tamanha loucura, mas foi até o correio e pegou a carta, então abriu e leu:
“Sofia, sei que pode achar loucura isso tudo, mas entenda que eu quero o seu melhor. Meu amigo Sócrates lhe entregou essa carta por um único motivo...se você quer descobrir qual, simplesmente passe o dia sem brigar, sem gritar, sem se preocupar, e quando for dormir relaxe, pense em coisas boas, memórias gratificantes, então saberá o motivo pelo qual lhe enviei tantas cartas com perguntas. Ass: /=/=/”
A garota achou esquisito, mas passou o dia sem gritar, brigar, sem se preocupar. Mas na hora de dormir ela realmente teve a tal surpresa, sentiu como se seu corpo estivesse se levantando sem ela poder controlar, flutuou com a sua alma bem alto até sentir algo lhe puxando para baixo com força. Então lembrou quando andou de bicicleta pela primeira vez, os machucados, as risadas... Finalmente chegou ao seu destino, uma sala branca com uma mesa enorme totalmente vazia. Sofia sentou-se na cadeira à espera de alguém, foi então que viu um homem branco com barba e roupas velhas, vindo em sua direção, não soube como agir, mas tentou falar:
-Quem é o senhor?
-Sou Deus, o Pai de todos vocês lá embaixo!
-É sério? - falou gaguejando entre dentes.
-Sim.
-Bom, mas se você é Deus...tem todas as respostas que precisa, por que me mandou cartas com perguntas se você já tem todas as respostas?
-É, sim, talvez eu tenha todas as respostas, mas gostaria de ver isso a partir do ponto de vista de uma garota, é ruim criar algo e não saber o que se passa dentro de sua cabeça, não saber se continua da mesma forma!
-Eu não sei o que dizer... - falou Sofia.
-Não diga nada criança, volte ao seu corpo. Viva, ame, lute, grite por todos que você ama, é só isso que eu quero que você faça, eu sei que você é forte o bastante para alertar todos sobre as suas forças interiores e o poder que todos vocês têm. Vocês são divinos, espalhe isso e seja feliz!
Como num piscar de olhos Sofia acordou. Ela se lembrava de tudo o que ouviu e tudo o que viu. No final do dia Sofia sentou em sua cama e pensou no que havia presenciado, foi então que percebeu que ela podia mudar a sua vida se acreditasse em todas as palavras que Deus disse. Um ano depois Sofia escreveu uma carta para Deus que dizia:
“Você é divino, você tem todas as armas que precisa, então lute por nós, porque isso tudo se tornou um inferno.
(em resposta a todas as suas perguntas)”
Érica Sena de Lima