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27 maio 2016

Bergamotas

Há mais de trinta anos atrás, um senhor, no fim da vida, plantou esta bergamoteira.
As filhas lhe perguntaram por que ele, tão velhinho, estava fazendo isto se não teria mais tempo para colher os frutos. Ele somente disse: "Estou plantando para as pessoas que vão vir depois de mim".
Pois hoje eu venho aqui agradecer este homem, que eu não conheci, por estas frutas gostosas que a gente come à vontade todos os dias.
Vamos plantar mais árvores, preservar as que existem, porque o mundo não acaba em nós. E que no futuro outras pessoas possam sentir o gosto doce da nossa ação hoje.






P.S. A foto não é boa, mas as frutas são.

19 maio 2016

Carpinejar, o falso feio

     Foi num encontro frustrado com uma garota, numa praça remota de Paris, que o filósofo Jean-Paul Sartre descobriu que era feio. E por isto, teria que mostrar algo mais do que a mera aparência. E este "algo mais" era sua própria inteligência. Baixinho e estrábico, o jovem Sartre logo percebeu o poder sedutor das palavras.
     Hoje o escritor Fabricio Carpinejar veio fazer uma visita em nossa escola. Fabricio se diz feio, e insiste tanto nesta ideia que quase convence. Na infância sofreu com os apelidos maldosos que lhe eram dados. Mas não se calou. Desde cedo ele também soube o poder liberador que as palavras têm. Quem é excluído, quem sofre bullyng, quem apanha com palavras rudes precisa aprender a se defender. A sua defesa, a sua arma foi a inteligência. As palavras certas ditas na face suja do agressor.
     Fabricio falou com os estudantes. Nos contou suas histórias. Fez rir e talvez chorar. Entre uma graça e outra, quando sua platéia se abria em risos, ele vinha com uma fala certeira e forte. Falou sobre liberdade, sobre o medo que todos nós temos da tal responsabilidade. Não somos tímidos por medo de que algo dê errado. Não temos medo do fracasso. O nosso grande medo é que as coisas dêem certo, que aquela pessoa interessante nos diga sim. Pois o "sim" nos obrigará a agir, a sair de nossa zona de conforto.
     Eu conheci (como leitor) o Carpinejar quando ele assinava Fabricio Carpi, e trabalhava no jornal VS em São Leopoldo. Na mesma época eu escrevia crônicas para o jornal. As matérias jornalísticas dele eram impressionantes, porque iam muito além do fato. Eram textos carregados de sensibilidade poética e lirismo. Ele foi demitido porque era muito inteligente, e dizia a verdade em seus textos: algo imperdoável na imprensa brasileira. Fui seu leitor atento, e é incrível que só viemos nos conhecer pessoalmente vinte anos depois, embora tenhamos uma grande amiga em comum. O tempo tem seus caprichos.
     Fabricio hoje é mais conhecido por seu personagem midiático que, segundo ele, pretende usar o riso para confundir, mexer com as pessoas. Este personagem, esta persona risonha, divulga o poeta, o menino de olhar meigo que ele permanece sendo.
     Aos sete anos de idade, quando sua avó faleceu, ele fez seu primeiro poema. Morria a avó e nascia o poeta. Hoje tivemos um belo momento com este moleque poeta escritor, que de tão esperto quase consegue enganar dizendo-se feio.




17 maio 2016

No meio das gentes


No meio das gentes ela surge
com um sorriso que abre o caminho
por entre manequins, bandeiras e
cheiros de pipocas

ela vem sem medo, sem receio
de abrir com seus dedos dourados
a palidez cinza da tarde

ela tem um dom de surgir
aparecer de repente
e voltar a sumir
surgir, sumir, surgir..
como a natureza em ciclos

agora está diante dele
e o olhar de poeta
percebe a mulher em que
ela se tornou

os olhos negros descobrindo
o mundo
os cabelos lisos derramando-se
sobre a argola brilhante

um pouco de tudo nas mãos
nos bolsos, nas bolsas
garrafas de vinho doce
e na boca palavras meigas
que fazem valer a vida

telefones que tocam em silêncio
anunciando trabalhos
trens lotados que levam a
uma irmã com saudade

cada vez que abre o sorriso
cobre-o de pétalas
enquanto as gentes correm
em círculos, como formigas tontas
que fogem de chinelos imaginários

o poeta - que tanto maldizia a solidão -
naquele momento desejou voltar a ser só
para poder abrir uma porta no tempo
onde os dois pudessem entrar

no meio das gentes ela vai
com um passo leve que inaugura a noite
e abre atalhos por entre rostos
e pães de queijo

No outro dia
entre papéis, computadores e burburinhos
ela com “voz de criança”
pede textos, textos, textos
uma mensagem para relaxar
pede atenção

e o poeta tenta
com os braços abertos e
a música calma que ressoa em seu peito
retribuir as pétalas com
que ela o tatuou


elenilton neukamp




15 maio 2016

Noite estrelada

     Esta noite tive uma experiência incrível. Aproveitando a escuridão e a ausência de luzes artificiais, escalei dunas gigantescas para ver a imensidão do cosmos no céu estrelado.
     A pessoa que estava comigo jamais havia visto aquilo, pensou que as estrelas haviam mudado de lugar ou coisa assim. Era lindo demais o que se podia ver. As constelações tão próximas que quase se podia tocar com os dedos. Lhe disse que elas sempre estão lá, nós é que temos o olhar ofuscado pela energia elétrica.
     Passei todo o dia com as imagens deslumbrantes deste acontecimento onírico na mente.
     Talvez tenha sido influência da "Noite estrelada" de Van Gogh.
     Na última semana, passei trechos do clássico "Sonhos", de Akira Kurosawa, para duas turmas. Num dos episódios, o personagem está em uma exposição de obras de Van Gogh. Ao observar um dos quadros, ele literalmente entra na pintura e acaba por encontrar o próprio pintor dentro de suas obras. Um sonho dentro do sonho. Isto tudo embalado com a música de Chopin.
     Os sonhos me tem feito pensar.
     Outra noite tive um pesadelo. Uma conspiração havia colocado uma máfia no poder. Mas disto se fala outro dia, pois hoje sigo iluminado pelas estrelas.


04 maio 2016

O café

     O café é mais presente em minha vida pelo seu cheiro maravilhoso. A pessoa que está passando o café sempre me parece simpática, mesmo que ela nem seja de verdade. Naquele momento ela é, como alguém que estende a mão com uma flor.
     Quase nunca bebo café, mas tenho um grande prazer em saboreá-lo quando visito alguém que eu gosto. Acho que quem me ensinou isto foi a Janete, que é mãe do meu amigão Júnior.
     Ela sempre me ofereceu seu café sem comparação. Mas é claro que não era só a bebida, era um ritual. Um ritual de carinho, afeto, e um olhar generoso que sempre se abriu para mim, para as outras crianças, para os animais abandonados que ela retirava da rua (e ainda deve retirar).
     Nem sei se a Janete vai ler isto. De qualquer jeito, uma hora destas vou bater na porta dela e ficar esperando aquela hora mágica em que me oferecerá um café. Já estou até sentindo o cheiro.