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02 outubro 2021
Fica filosofia, sai retrocesso!
Segundo o que me disse um livro, as antas são mamíferos enormes e pesados. Criam um caminho no meio da mata que atravesse sua comida e chegue até alguma fonte de água. O caminho das antas é seguro. Todos os dias elas retornam por ele até a comida e a água.
As onças vasculham muitos caminhos. E gostam de comer antas. O caminho das antas até pode ser seguro, mas no momento em que uma onça o encontra não há mais nenhuma saída. A onça sabe que basta apenas deitar na moita e ficar esperando. Antas são previsíveis. Onças são implacáveis.
Brinco com os alunos desenhando um caminho de anta no quadro. E o riachinho mal rabiscado lá embaixo, onde ele sempre dá.
A metáfora pode ser pobre, confesso. Porém, o objetivo é nobre: Ressaltar a importância das aulas de filosofia.
Não cabe à Filosofia mostrar caminho nenhum a ninguém (para isto temos os condutores de almas em vários formatos e preços). Ela nos abre a possibilidade de vislumbrar outros caminhos, atalhos cheios de descobertas. Mostra um mundo onde só havia um muro, e aí estou sendo quase literal. Na sala de aula ela trabalha conceitos, que podem vir da tradição do pensamento ocidental ou da linguagem da quebrada.
Lembro agora de um aluno, na Restinga, que depois de uma rica discussão durante a aula veio me comunicar uma decisão. “Sôr, sabe eu pensei...não vou mais trazer o ferro pro colégio”. Aí entendi o fato de que ele passava o tempo todo com a mochila nas costas, mesmo durante o intervalo. Andava armado por medo. Um medo que foi desmontado a partir das falas dos próprios colegas, no meio de uma aula de filosofia. Aquela discussão, daquela forma, só aconteceria naquela aula.
Porto Alegre foi uma cidade pioneira quando resolveu incluir no currículo das escolas municipais a disciplina de filosofia. Uma bela oportunidade oferecida a jovens de periferia, no ensino fundamental. Afinal, por que a filosofia deveria ser apenas privilégio dos matriculados em escolas de classe média alta e ricos?
As aulas de filosofia muitas vezes antecipam questões que depois se tornam assuntos de todos. Nos últimos dez anos um dos grandes temas foi a depressão, em suas mais variadas expressões. A depressão como doença, como perda, ansiedade, e até como a tristeza de não poder sair de casa à tarde porque o traficante da rua proibiu.
Quando estudamos, por exemplo, a mediania de Aristóteles, é a vida que surge. Como encontrar o equilíbrio entre dois excessos? Onde está o meio termo entre o medo de sair do próprio quarto (covardia) e a sensação de que posso fazer qualquer coisa na rua (destemor)? Como chegar a uma boa alimentação, que não seja nem exagero no comer, nem passar fome para tentar ter “um corpo perfeito”?
A vida acontece e é pensada enquanto se discutem grandes temas e filosofias variadas: Epicuro, Platão, Simone de Beauvoir etc. Outro dia, uma aluna de C10 (corresponde em idade a antiga sexta série), me disse que havia pensado sobre as coisas que ela comprava (e que não precisava) depois de uma aula sobre Diógenes. Durante a aula, em nenhum momento foi utilizada a palavra “comprar”, nem tampouco “consumo”. O pensar acontece como construção a partir da provocação trazida pelo filósofo. Não é um discurso do professor.
Há várias formas de trabalhar esta disciplina nas escolas, e a variedade de abordagens deve estar próxima ou igual ao número de professores e professoras. Isto é uma riqueza. O que há em comum é a tradição, a própria história da filosofia e os clássicos. Tudo o mais são experiências de aprendizado. Registrei uma destas experiências de sala de aula no livro “A Caixa de Perguntas” (Libretos), que enviei recentemente para a secretária de Educação de Porto Alegre. Outro dia podemos falar sobre ele. Agora preciso retornar às antas, onças e caminhos mais urgentes.
Não sabemos exatamente por que, mas a prefeitura de Porto Alegre, através de sua Secretaria de Educação (SMED), resolveu simplesmente retirar a filosofia do currículo das escolas. E não só. História e Geografia também tem seus horários reduzidos. Não sei, mas corremos aí o risco de construir um caminho de anta perfeito. Para ocupar este vazio curricular criado, ela pretende aumentar a carga horária de Português e Matemática, e inserir como um período fixo o Ensino Religioso (que é facultativo).
Em troca, a prefeitura promete criar “possibilidades de um um trabalho interdisciplinar de Filosofia desde os anos iniciais...”, o que significa que não deve acontecer nada. As pessoas gostam de usar certas palavras para disfarçar o que está evidente. A única justificativa usada é “a adequação à legislação vigente”. Mas aí temos um outro problema: a prefeitura usa a legislação estadual e esquece que neste sentido somos regidos pelo Conselho Municipal de Educação.
Talvez a atual administração queira deixar suas garras, suas marcas na educação da cidade. Como uma onça? Não creio. Só se for uma onça que queira agradar às antas que acreditam nas tolices dos grupos de terra plana do WhatsApp. Como aquela mãe que retirou seu filho da escola ao descobrir que ele era gay. Segundo ela, o filho teria sido ensinado a ser assim.
Economia de recursos? Também não parece, pois precisariam contratar professores. Além disto, acabam de nos roubar vários direitos e anos de aposentadoria, e já haviam destruído nosso plano de carreira. Estamos há vários anos com os salários congelados. Por que então? Como diria um amigo mais velho, “só sei que nada sei”.
Outro argumento seria que precisamos de mais Português e Matemática, porque estas disciplinas são cobradas nas provas nacionais de avaliação. Esta é uma visão pobre de educação, por várias razões. E mais horários poderiam ser oferecidos no contraturno como aulas de reforço, laboratórios de aprendizagem etc. De qualquer forma, é preciso dizer: as coisas são mais complexas. Não é apenas uma questão de tempo, mas também de fome, miséria, contexto. Basta observar os mapas de resultados. Quanto mais periférica a escola, piores os resultados. Retirar a filosofia não aumentará índice algum. Só irá empobrecer o repertório oferecido. É como prometer melhorar a alimentação de alguém, retirando um dos ingredientes do prato.
Vivemos um momento estranho. Em tempos bem recentes, os políticos enchiam a boca falando em educação. Educação era a solução de tudo, e todos prometiam investir nela. Nas propagandas o fulano “construiu tantas escolas infantis”, “abriu tantas vagas nas escolas”, “melhorou a merenda escolar”. Imagens de crianças brincando felizes e de escolas limpinhas e reformadas ocupavam a propaganda eleitoral. As mães apareciam sorrindo e elogiando.
Agora talvez teremos prefeitos babando em frente às câmeras, aos gritos: “Eu acabei com essa farra de filosofia!”, “Eu proibi aula de história..pra que estudar história?”, “Ninguém precisa de geografia”, “Pensar é coisa de fresco!”, e por aí vai. Sempre com uma turba de alucinados para aplaudir. Triste é perceber que pessoas com formação em educação se prestem a fazer o serviço sujo, tentando passar verniz sobre dejetos. Não sei a quem pensam enganar.
Quando comecei meu caminho como professor, há 25 anos atrás, havia uma espécie de clichê no ar. A ideia de que ao poder, ou aos “poderosos” não interessava um povo educado. Hoje percebo o quanto fazia e faz sentido. O empobrecimento de educadores e educadoras é um projeto, assim como a tentativa clara de eliminação de tudo o que lembre reflexão. São retrocessos bem planejados. Estamos diante da tentativa de mais um, na cidade que já foi um dia um porto alegre para a cultura e a educação.
Fica Filosofia, sai retrocesso!
Elenilton Neukamp, professor de Filosofia da rede municipal de Porto Alegre.
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30 abril 2015
Professores perigosos
O
que aconteceu? Será um sequestro? Prenderam um traficante perigoso?
Acertaram alguém no tiroteio? Um foragido da Justiça foi
encontrado? Alguém morreu? Quantas vítimas? Os moradores do centro
de Porto Alegre apavoraram-se com o que viram passar à sua frente.
O nervoso Grupamento de Operações Especiais andava na
contramão com seus homens fortemente armados, sob uma chuva que
começava a cair. Foram encontrar-se com o Batalhão de Choque e mais
210 policiais militares, além de seus cães adestrados e carros de
combate. O clima tenso parecia preparar-se para um derramamento de
sangue.
Os uniformes novos do Batalhão de Choque e seus escudos
reluzentes poderiam impressionar até o mais insensível dos
assassinos, assim como suas botas enormes prontas para esmagar o
inimigo. Sorte dos bandidos que toda essa força e esse aparato
policial não é colocado contra eles. Senão eles veriam que o mundo
do crime não compensa.
Todos esses homens e essas armas foram colocados em
frente ao palácio do governo para protegê-lo desse grupo perigoso
dos professores, quer dizer, professoras (a maioria são mulheres).
Sim, nunca se sabe o que professoras em greve estão tramando. Essas
senhoras com cara de anjo podem estar carregando bombas. Vejam essas
sinetas estridentes, o que garante que não sejam no fundo armas?
Mas
o maior perigo desta gente vem de suas bocas. Em outros países
resolveram unir-se com jovens visionários e todos sabemos no que
deu. Por isto é melhor que o governo mantenha a sociedade livre
desta ameaça, pagando-lhes vencimentos miseráveis e evitando que
nossa mocidade receba suas más influências. Para tanto, o
patrocínio de programas televisivos e o uso da força policial se
tornam medidas necessárias.
Professores são extremamente perigosos porque podem
perturbar a paz social. Por vezes insistem para que nossos filhos
leiam livros, escrevam, pensem por conta própria. Que absurdo! Não
há necessidade de ler. Não há necessidade de pensar. Só
necessitamos de gente que trabalhe em silêncio para o crescimento do
país. E assim poderemos servir de modelo à toda terra.
Elenilton Neukamp
Este texto foi publicado originalmente em 2005, no jornal Zero Hora (do Rio Grande do Sul), e se refere à repressão policial sobre os professores/as na época.
Retorna 10 anos depois, após a violência brutal sofrida por professores/as no Paraná.
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Zero Hora
14 dezembro 2013
Marcia Tiburi escreve sobre "A caixa de perguntas"
A CAIXA DE PERGUNTAS
O abandono da educação brasileira é uma das questões sociais mais graves que experimentamos hoje em dia. Pouco podemos fazer enquanto governos projetam seu ódio contra o povo também por meio da educação: contra os jovens, as crianças e o futuro. Os resultados históricos são previsíveis num país que já vive em seu tempo presente os efeitos do desprezo pela educação que nasceu no passado ditatorial brasileiro. Que a ditadura tenha sido introjetada por tanta gente e seja hoje uma constante cultural exige nossa atenção mais delicada.
No meio desse quadro triste, em que a profissão de ensinar, em que a experiência da aprendizagem e da formação são mortas diariamente às pauladas, surgem no entanto, luminosidades que nos alegram. A alegria é um ápice de esperança, aquela que a gente sente quando alguma coisa faz sentido e melhora o mundo onde vivemos.
Uma dessas alegrias é o livro “A Caixa de Perguntas, desafio vivo em sala de aula” (Ed. Libretos, 2013, 148 p.) de Elenilton Neukamp, professor da rede pública de ensino de Porto Alegre, mestre em educação pela UFRGS e autor de outros dois livros. A única coisa de que me orgulho na vida é dos meus alunos e fico muito feliz em dizer que Elenilton passou pela minha sala de aula sempre trazendo lindas questões, lindos textos. Dessas pessoas inesquecíveis que a gente agradece a sorte de ter encontrado.
O livro é um relato de experiência pedagógica com filosofia. Como a disciplina de filosofia é ainda muito recente no ensino fundamental e médio dificuldades fazem parte da coisa mesma: Como ensinar filosofia? O quê ensinar? Como chamar a atenção dos alunos para a experiência do pensamento? Como ajudar os garotos a se interessarem pelos conteúdos do conhecimento, de ética, de estética? Não há professor de filosofia que não se coloque estas questões quando tem diante de si crianças e jovens num contexto de crise geral – política e cultural – da educação. O professor de filosofia sabe que sua aula precisa da alegria do pensamento, a força revolucionária que faz pensar, logo, a aula tem que ser uma “boa” aula. A aula de filosofia é sempre um momento muito especial porque é sempre uma aula sobre o cerne da experiência da vida que mora nos atos de pensar, sentir, discernir e compreender. Toda aula de filosofia transita nesse quadrado mágico feito da básica matéria do ato esclarecido a que damos o nome de filosofia.
Elenilton inventou um método para trabalhar com esse universo. Só que ele pretendia uma aula muito democrática na qual todos tivessem, de algum modo, voz. Uma aula em que o comprometimento e o engajamento eram a aposta a pagar. Assim, ele inventou a caixa para que todos pudessem perguntar o que quisessem, do modo como quisessem. A caixinha, em princípio usada em uma turma, ficou famosa na escola e Elenilton foi convocado a usá-la até com as turmas de adultos nas quais também leciona.
Sem identificação, sem nomes de pessoas e sem ofensas pessoais, as perguntas criaram vida própria: a vida das ideias das quais vive uma aula de filosofia.
A partir daí o livro “A caixa de perguntas” conta sua própria história. Um capítulo impressionante traz uma lista das próprias perguntas que vão desde questões sobre sexualidade até perguntas sobre Deus. O modo como os estudantes as redigem, são um caso a parte que, sinceramente, só lendo pra ver. Mas dou aqui 3 exemplos da diversidade que pode surgir no uso de um método como este:
- Por que Deus quis “inventar”o mundo?
- Por que a maioria dos profes são chatos?
- Ter os dentes tortos influencia na hora do beijo?
Recomendo o livro a todos os professores de filosofia de todas as etapas escolares. Mas também sugiro a leitura às pessoas em geral, independentemente de suas idades e profissões. A carência de pensamento entre nós está fundada em um vasto complexo social e cultural, mas tem ligação direta com o medo de pensar, devido à sua proibição (muitas vezes surgida nas próprias faculdades de filosofia em que professores são controladores do que se pode ou não dizer). É este medo/proibição que produz a vergonha de pensar e de falar. Esta vergonha que a aula de filosofia pode ajudar a mudar, porque a aula de filosofia é o lugar onde se aprende a falar e, sobretudo, a ouvir.
A Caixa de Perguntas é um presente nesta época em que a sala de aula é um verdadeiro tédio para a maioria dos alunos. Mas também para muitos professores que se sentem perdidos diante do que fazer com crianças e jovens que trazem da cultura e da família aquele desprezo pela educação que, infelizmente, em nosso precário cenário, ainda precisamos como professores e cidadãos combater todos os dias.
No quadro da miséria material e espiritual oferecida pelos governos e pelo capitalismo que transformam a educação em problema bancário, a “Caixa de Perguntas” é a generosidade que combate a avareza, a alegria de pensar que combate a ignorância.
Só posso desejar boa leitura.
*Para quem quiser acompanhar o Elenilton: http://eleniltonneukamp.blogspot.com.br
Publicado em 14/12/2013, no blog da Marcia Tiburi no site da Revista CULT
Só posso desejar boa leitura.
27 agosto 2013
Professor é preso por atentado ao pudor
Professor foi preso por atentado violento ao pudor.
As cenas são fortes, por isso pense bem antes de clicar no play.
Ele era muito querido por alunos, colegas e famílias.
Até que um dia um menino chegou em casa em estado de choque, revelando o que o professor havia lhe mostrado...
21 março 2013
Pacto de mediocridade na educação
Para quem vive no meio não assusta a notícia sobre as redações do Enem. Avaliadores denunciam que foram aconselhados a facilitar aprovações. Assim, vale quase tudo nas redações. Até mesmo hino de time de futebol e receitas de miojo. O cara "patifa" na prova e ainda tira uma nota boa.
Mais lamentável é ouvir na Rádio Gaúcha uma autoridade defender estes "critérios" tão frouxos.
Em Porto Alegre sabemos muito bem como funciona.
Chega o final do ano e a Smed (Secretaria Municipal de Educação) vai até as escolas e pressiona para que haja o máximo de aprovações. Pouco interessa se o/a estudante sabe alguma coisa, se frequentou as aulas.
A falta de seriedade é tão grande, que há alunos meus que me perguntam: "Professor, por que eu passei de ano se eu nem vinha mais à aula?". Nem eles entendem a lógica. Para ser aprovado, é mais fácil não fazer nada e não frequentar as aulas.
Muitas vezes você nem precisa saber formar uma frase para completar o Ensino Fundamental.
É tudo uma questão numérica, de quanto custa cada aluno para o município.
E não há nada de bom coração nisto, nesta mania de "passar" todo mundo de ano. Ao contrário. Os pobres que se danem. Mal formados, não irão lá na frente disputar espaço na sociedade com os filhos destes que inventam normas e progressões automáticas. Aos pobres nada, ou quase nada. Apenas diplomas vazios.
O que importa são os números para serem repetidos como mantras nas campanhas eleitorais.
Tudo mentira, como bem desconfiam minhas leitoras e leitores.
É um grande pacto de mediocridade. Não é ao acaso que os jovens chegam assim no final do Ensino Médio. Sua capacidade de aprender foi subestimada.
Quando perguntada sobre as notas baixíssimas dos estudantes das escolas municipais (nas provas do ensino fundamental), a secretária de educação de Porto Alegre não vacilou. Disse que não estava preocupada, pois o número de reprovações havia diminuído muito.
Ela apenas esqueceu de dizer que elas diminuíram artificialmente, na pressão, e não porque os alunos/as tenham aprendido mais ou o ensino melhorado.
(Charge do Tacho, o melhor chargista do Rio Grande do Sul)
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01 outubro 2010
O pesadelo
"O pesadelo" é um curta-metragem produzido por um grupo da turma C12 da escola Dolores Alcaraz Caldas, de Porto Alegre. O grupo foi organizado por mim, mas a escolha do roteiro, enredo, etc. ficou por conta do grupo.
No YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=yOI2ZqU0XtY
No YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=yOI2ZqU0XtY
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03 setembro 2010
Leituras sobre Nietzsche e a Educação

Este é um livro, recém lançado, que traz textos sobre o Nietzsche e as relações da filosofia dele com a educação.
Um dos artigos é meu: "O professor Nietzsche e a educação".
Quem tiver interesse no tema e no livro, mande e-mail para leleneukamp@yahoo.com.br. Tenho alguns exemplares a preço de custo: 12,00 mais o correio...que dá algo como 15 reais.
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Leituras sobre Nietzsche e a Educação
16 abril 2010
Cinema, democracia e escola
Há uma semana participei de um curso com a cineasta paulista Moira Toledo, na sala de cinema PF Gastal da Usina do Gasômetro (em Porto Alegre). O grande número de professores presentes me faz pensar que nem todos estão resignados com nosso marasmo cultural. E uma paulista falante, munida de armas perigosas - microfone e câmera - veio nos sacudir com sua lucidez e percepção; despertando em muitos a "curiosidade epistemológica" de que falava o mestre Paulo Freire.
A luta de Moira, em nível nacional, é pela democratização da produção do audiovisual e do acesso a ela. Venho insistindo nisto há muito tempo, e é o que promovo em minhas aulas de Filosofia. Moira anda pelo país incentivando o "cinema de quebrada", que eu classificaria como um movimento de contracultura.
É um absurdo vivermos em um país com tamanha riqueza e diversidade cultural, e não termos acesso ao resultado prático dela. Isto vale para a música, o cinema, a televisão. Você sabe o nome dos atores que ganharam o Oscar, mas não conhece seu vizinho que gravou um CD ou escreveu um livro. Algo parece estranho nisso.
Este é um tema crucial para a educação: a democratização da mídia, em sentido amplo. Não se pode pensar a construção de uma nação com uma população sendo educada prioritariamente pela televisão (que está nas mãos de meia dúzia de corporações). O tema soa antiquado, mas não menos verdadeiro. A mesma percepção vale para o magistério, na sua responsabilidade de educar. Ou alguém aposta em uma formação realizada por educadores que se reduziram à lamentável condição de comentadores de "realytes shows"?
Dividir com os alunos a produção de filmes pode ser uma experiência profundamente enriquecedora, para todos. Experimentar com eles outros olhares, e proporcionar o acesso à produção cultural nacional faz parte de nossa tarefa tanto quanto a 'transmissão' do saber específico de cada um.
Moira, com seu conhecimento técnico, defende que o contato com o fazer cinema proporciona um outro olhar sobre qualquer produção. Aí incluídos a TV e seus subprodutos.
Mas é na relação entre os envolvidos que se dá a grande transformação. Um grupo que produz um audiovisual aprende a se relacionar, a discutir, a ouvir a posição do outro. Aprende. E o que podemos querer mais, em nossas escolas, senão aprender e ensinar?
Nossa...já estou ficando com medo! Alunos fazendo e aprendendo a ver cinema. Escolas ensinando gente a ser gente. Democratização da informação. Isto já está virando conversa de subversivo.
Abaixo reproduzo o texto "Cinema e educação", que faz parte do meu livro "A caixa de perguntas e outras histórias de aprendiz" (ainda não publicado).
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CINEMA E ESCOLA
Num mundo construído pela e na imagem, seria um absurdo a escola se fechar para as possibilidades da arte cinematográfica. Cinema e educação devem ser irmãos inseparáveis. O espaço do cinema e da “sala de vídeo” ou de audiovisual das escolas é um local privilegiado para o aprendizado, para a socialização de saberes. Assistir um filme com os alunos é tão importante quanto ler um livro, um texto, ou fazer uma prova. Chega a ser mesmo impressionante que muitos professores utilizem os filmes como algo secundário e muitas vezes sem a mínima seriedade.
Certa vez fui chamado de “elitista” em uma reunião de escola, por defender que não fossem exibidos apenas filmes de uma certa apresentadora de TV para as crianças. Este tipo de filmes elas já veem em suas casas, não há porque a escola reforçar a sua importância. Me acusaram de rejeitar os “saberes populares”. Retruquei dizendo que estavam subestimando a inteligência das crianças e limitando o acesso delas à cultura. A escola deve favorecer o acesso a outras linguagens, outras formas de expressão que não aquelas consagradas pela grande mídia.
Em meu trabalho de professor, sempre utilizei filmes. Jamais como forma apenas de distração dos alunos ou como algo complementar à sala de aula. Sonho com o dia em que lutaremos pelo acesso ao cinema com a mesma força que lutamos por outras boas causas. Lutar pelo acesso ao cinema é lutar pela elevação geral da nossa cultura. Esta batalha poderia estar ligada à produção nacional de cinema. Os países desenvolvidos há muito já se deram conta disso, e os americanos são mestres em utilizar a tela grande como meio de propaganda.
Para citar um pequeno exemplo, há muitos anos exibo para os alunos (adolescentes) o curta-metragem O dia em que Dorival encarou a guarda, de 1986. Ele é uma produção da Casa de Cinema de Porto Alegre, que é especializada na produção de curtas de boa qualidade. Conta a história de um preso que quer simplesmente tomar um banho, pois já é proibido de fazê-lo há 10 dias. Os diálogos são impressionantes e a montagem do filme é perfeita. Os alunos adoram! Em menos de 15 minutos há diversão, riso, aprendizado. Em Filosofia discuto a questão da liberdade.
Para cada filme o professor escolhe um tema específico ou vários temas para serem explorados. Barbosa pode discutir memória, história do Brasil, a existência ou não do destino. Ilha das Flores é um clássico, creio que o curta-metragem mais assistido em todo o Brasil.
O momento de assistir um filme também é um momento de aprendizado. Muitas vezes tive que parar a exibição, reclamar ou xingar algum aluno. Em alguns casos (poucos, é verdade) cheguei ao extremo de retirar da sala pessoas que não conseguiam assistir minimamente tranquilas. Também se aprende a ser expectador.
Com a ampliação do acesso à Internet nas escolas em todo país, o acesso aos filmes tornou-se mais fácil. Durante anos, corri para todos os lados atrás de fitas VHS e depois DVDs. Antes, na adolescência, mal tínhamos acesso a aparelhos de vídeo cassete. Então carregávamos um vídeo cassete (pesado) pela cidade para passar “vídeos” nas escolas sobre a destruição do meio ambiente.
Agora há projetos específicos como o “Curta na Escola”, que disponibiliza centenas de filmes gratuitamente na rede. Começamos a deixar de ser reféns dos filmes comerciais, o que não quer dizer que alguns deles não possam ter alguma utilidade.
Uma discussão importante a ser feita: a democratização do acesso à produção brasileira. Não parece estranho que os brasileiros não tomem conhecimento dos filmes que são feitos em seu próprio país? O mesmo vale para a música e o teatro. E a escola não pode se furtar a esta discussão. Na escola acontece a formação do público, seja que tipo de público for.
Compreender a educação como limitada à escola é limitar tanto a escola quanto a educação das pessoas. Para usar uma imagem, podemos dizer que a formação acontece em rede, numa teia. Tudo o que cai ou que é agarrado na teia torna-se parte dela. Uma música, um bicho ou um conceito em forma de pedra. “Caiu na rede é peixe”, diz o ditado popular. Assim acontece com a gente. A experiência mais ridícula, o inseto menos interessante...tudo faz parte da nossa formação. Às vezes uma palavra rude ou um breve olhar nos sensibilizam mais do que um grande acontecimento. Na rede intrincada da nossa memória as coisas não estão separadas, fechadas. Por isso a técnica e o pensamento técnico não podem dar conta de toda vida. São formas de pensamento úteis, mas muito pobres para dar conta da existência toda. Isto que os grandes poetas já compreenderam há milênios.
Certa vez fui chamado de “elitista” em uma reunião de escola, por defender que não fossem exibidos apenas filmes de uma certa apresentadora de TV para as crianças. Este tipo de filmes elas já veem em suas casas, não há porque a escola reforçar a sua importância. Me acusaram de rejeitar os “saberes populares”. Retruquei dizendo que estavam subestimando a inteligência das crianças e limitando o acesso delas à cultura. A escola deve favorecer o acesso a outras linguagens, outras formas de expressão que não aquelas consagradas pela grande mídia.
Em meu trabalho de professor, sempre utilizei filmes. Jamais como forma apenas de distração dos alunos ou como algo complementar à sala de aula. Sonho com o dia em que lutaremos pelo acesso ao cinema com a mesma força que lutamos por outras boas causas. Lutar pelo acesso ao cinema é lutar pela elevação geral da nossa cultura. Esta batalha poderia estar ligada à produção nacional de cinema. Os países desenvolvidos há muito já se deram conta disso, e os americanos são mestres em utilizar a tela grande como meio de propaganda.
Para citar um pequeno exemplo, há muitos anos exibo para os alunos (adolescentes) o curta-metragem O dia em que Dorival encarou a guarda, de 1986. Ele é uma produção da Casa de Cinema de Porto Alegre, que é especializada na produção de curtas de boa qualidade. Conta a história de um preso que quer simplesmente tomar um banho, pois já é proibido de fazê-lo há 10 dias. Os diálogos são impressionantes e a montagem do filme é perfeita. Os alunos adoram! Em menos de 15 minutos há diversão, riso, aprendizado. Em Filosofia discuto a questão da liberdade.
Para cada filme o professor escolhe um tema específico ou vários temas para serem explorados. Barbosa pode discutir memória, história do Brasil, a existência ou não do destino. Ilha das Flores é um clássico, creio que o curta-metragem mais assistido em todo o Brasil.
O momento de assistir um filme também é um momento de aprendizado. Muitas vezes tive que parar a exibição, reclamar ou xingar algum aluno. Em alguns casos (poucos, é verdade) cheguei ao extremo de retirar da sala pessoas que não conseguiam assistir minimamente tranquilas. Também se aprende a ser expectador.
Com a ampliação do acesso à Internet nas escolas em todo país, o acesso aos filmes tornou-se mais fácil. Durante anos, corri para todos os lados atrás de fitas VHS e depois DVDs. Antes, na adolescência, mal tínhamos acesso a aparelhos de vídeo cassete. Então carregávamos um vídeo cassete (pesado) pela cidade para passar “vídeos” nas escolas sobre a destruição do meio ambiente.
Agora há projetos específicos como o “Curta na Escola”, que disponibiliza centenas de filmes gratuitamente na rede. Começamos a deixar de ser reféns dos filmes comerciais, o que não quer dizer que alguns deles não possam ter alguma utilidade.
Uma discussão importante a ser feita: a democratização do acesso à produção brasileira. Não parece estranho que os brasileiros não tomem conhecimento dos filmes que são feitos em seu próprio país? O mesmo vale para a música e o teatro. E a escola não pode se furtar a esta discussão. Na escola acontece a formação do público, seja que tipo de público for.
Compreender a educação como limitada à escola é limitar tanto a escola quanto a educação das pessoas. Para usar uma imagem, podemos dizer que a formação acontece em rede, numa teia. Tudo o que cai ou que é agarrado na teia torna-se parte dela. Uma música, um bicho ou um conceito em forma de pedra. “Caiu na rede é peixe”, diz o ditado popular. Assim acontece com a gente. A experiência mais ridícula, o inseto menos interessante...tudo faz parte da nossa formação. Às vezes uma palavra rude ou um breve olhar nos sensibilizam mais do que um grande acontecimento. Na rede intrincada da nossa memória as coisas não estão separadas, fechadas. Por isso a técnica e o pensamento técnico não podem dar conta de toda vida. São formas de pensamento úteis, mas muito pobres para dar conta da existência toda. Isto que os grandes poetas já compreenderam há milênios.
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