Eu era da turma 52.
O ano era 1984. Andava um pouco solitário, triste. Meus pais haviam
se separado. Um para cada lado, e eu para lado nenhum. Lembro-me bem
que minha calça era de tergal, daquelas azuis de uniforme de
colégio. Não era muito raro eu andar com ela suja e percebia que
alguns colegas faziam comentários maldosos sobre isso. Teve um dia
que caí num valo e não pude ir à aula porque ela estava molhada.
Tive que ficar embaixo dos cobertores.
Fazíamos uma festa
quando faltava um professor. Havia uma professora que gritou comigo
várias vezes, eu odiava a aula dela e por isso não entendia nada da
matéria. Uma outra debochou de mim quando eu disse que havia faltado
no dia anterior por causa da enchente. Ela devia morar no outro lado
da cidade para não saber o que nós sofríamos com as inundações.
Arremangar as calças até os joelhos e pôr os pés na água gelada,
no inverno, às sete da manhã para ir pra aula, definitivamente não
é para qualquer um...
Até a quarta série
eu era considerado um aluno exemplar, com direito a ler em público
nas datas em que a escola dava um cachorro quente e um copo de “ki
suco”. Não entendia muito o que estava lendo, mas as professoras
gostavam. Minhas notas eram altíssimas, porque no colégio eu fugia
dos problemas de casa. Éramos obrigados a cantar o hino, e não
entendíamos o que significava. O pior foi quando a diretora me
chacoalhou e gritou “canta!”. Obrigavam a gente a marchar da vila
até o centro da cidade, como se fôssemos soldadinhos de chumbo. Eu
odiava aquilo.
Na quinta série
uma vez levei uma suspensão. Briguei no recreio. Um olho ficou umas
três vezes maior que o outro. Assinei o “livro negro”. Depois
daquela briga percebi como é estúpido bater em alguém, como é
estúpido apanhar também. Que grande bobagem! Minhas notas caíram
mais que a confiança do povo na ditadura que estava acabando. Um dia
apareceu escrito numa prova: “Você regrediu muito”. Fui direto
para o dicionário, não sabia o que era regredir. Outro dia a
professora de Português tinha me dito isso e eu achei graça. Ela
ficou brava porque pensou que era deboche, mas eu estava rindo mesmo
era daquela palavra esquisita.
Na sétima série
minha turma era a 71. Estudávamos pela manhã. No primeiro e no
segundo bimestres não entendi nada do que estava acontecendo. Tirei
vários “zero” nas provas. Marquei um encontro com uma menina
para o último dia antes das férias de julho. O nome dela era...
Bom, creio que não há necessidade de dizer o nome dela, não é?
Acontece que no dia choveu. Eu fui até a escola, mas fiquei numa
área coberta do lado de fora do portão. Esperei a tarde inteira e
ela não apareceu. Meses depois soube que ela também passou a tarde
suspirando e me esperando, só que do lado de dentro do portão.
As férias e a
preguiça me acostumaram a dormir demais e a ler “de menos”. As
aulas recomeçaram e eu não aparecia na escola. Umas duas semanas
depois, foram na minha casa me procurar. Mas não eram daquele
colégio, e sim do outro em que eu estudava antes. A Dona Líria, uma
orientadora educacional que atendia no SOE, mandou me chamar. Nem
quis minhas explicações, foi logo me matriculando numa turma do
noturno. Eu tinha treze anos e estava começando a trabalhar. Cuidava
de um estacionamento de uma farmácia. No ano anterior tinha sido
vendedor de picolés.
Os professores e
professoras eram diferentes, conversavam com a gente sobre qualquer
coisa. Fui muito bem recebido e me aceitaram como eu era. Meus
colegas eram mais velhos do que eu, e com eles aprendi a ouvir as
pessoas com mais experiência do que eu. O que fico me perguntando é
o que teria acontecido comigo se ninguém tivesse me procurado, me
ajudado.
Mas que grande
falador sou eu. Lembrei de tantas coisas, falei tanto, mas o que
queria mesmo era dizer pra você aproveitar esse tempo que passa na
escola. A escola é um lugar onde a nossa vida acontece, onde
aprendemos coisas e conhecemos pessoas. E não importa a nossa idade
nem o lugar onde a gente está. O que importa é viver bem esse tempo
de estudante. Isso vai ser bom para nós e para o mundo, que precisa
cada vez mais de pessoas que leem e pensam.
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