Vou indo até a Restinga, como faço quase todos os dias, e vendo a
antiga Zona Sul desaparecer. Onde era verde agora é condomínio.
Onde era árvore agora é clarão, concreto, prédio feio. Não sei
por que Porto Alegre anda com esta mania de coisa feia, e ainda nem
comecei a falar de mim.
Lembro de estar em algum boteco comento um prato feito. Era um sábado
pela manhã. Bendita memória! O repórter do jornal da RBS na fila
de votação para as “assembleias populares” do Plano Diretor.
Perguntou para as pessoas: “O que vocês vieram fazer aqui?”.
Ninguém sabia dizer. Eram pessoas simples. Estavam ali porque haviam
ganho uma cesta básica e não lembro que quantia em dinheiro. Tudo
pago pelas indústrias da construção, vulgarmente conhecidas como
empreiteiras.
Esta foi a forma altamente democrática como a principal lei que
organiza a ocupação da cidade foi mudada. Bairros residenciais
viraram inhaca. Tudo, claro, escolhido pelo povo. E quem era o
secretário municipal responsável por essa beleza de processo
democrático? Bingo! O nome dele era... José Fortunati.
Mas por que cargas d'água estou falando tudo isto? Não sei, mas
aquele prato feito estava mesmo uma delícia. E barato. Provavelmente
melhor do que a comida que se serve lá no Presídio Central.
Ando pensando nisso. E naqueles pobres homens de bem que foram
presos, acusados de negociar licenças ambientais. Tudo conspiração
da Polícia Federal tentando denegrir a imagem dessa gente de conduta
ilibada. Nossa! Falei bonito mesmo. Me senti até um advogado nessa
hora.
O deputado José Otávio Germano disse que só ele e Deus sabem o que
ele passou nos últimos anos. Que lindo isto, me emocionei. Tudo
acusações falsas. Só Deus deve mesmo saber por que ele foi
denunciado como o chefe da quadrilha que roubou 44 milhões do nosso
dinheiro.
É claro que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Dinheiro que
some no Detran e secretários de meio ambiente que vão nanar no
Centralão. E é mera coincidência que o prefeito hoje seja aquele
mesmo secretário do dia em que eu estava no boteco, comendo aquele
prato feito.
Veja como a memória da gente é maluca. Lembrei que Fortunati já
anda por estas bandas há uns bons trinta anos. Tô ficando velho,
mano. Ele já foi sindicalista, deputado daqui e de lá,
vice-prefeito do PT, vereador do PT (de novo), secretário de
educação do estado governado pelo PMDB, secretário municipal de um
monte de negócios, vice-prefeito do PDT, prefeito. Ufa! Quanto
cargo! E quantos amigos ele não deve ter. A amizade é tudo na vida.
Em todos estes cargos que ocupou ele deixou sua marca. Qual é a
marca, você me pergunta? Ah...bom...deixa eu pensar. Perdão, só um
pouquinho. Preciso parar um pouco de escrever. Pisei num cocô.
Já estou de volta. Sobre o que falávamos mesmo? Licenças
ambientais, José Otávio, cadeia, prefeitura de Porto Alegre, prato
feito. Desculpe, mas fiquei meio tonto aqui. A cidade é tão grande
e o presídio tão apertado pra tanta gente. Deixa eu ver meu sapato.
É que o cheiro está ruim mesmo, sabe como é. Não adianta ficar
escrevendo bonito se o sujeito fica andando por aí com o sapato
cheio de cocô. E você sabe que a cidade está cheia de sujeira por
todo lado. Precisando de uma limpeza geral. O lixo pesado não dá
nem pra reciclar.
Tá, prometo que não mudo mais de assunto. Confesso que não sei
qual é a marca do Fortunati. Já sei: vou perguntar pro Kiko!
Talvez a sua marca seja aquele sorrisinho, que de tão repetido já
grudou e não sai mais. Nem plástica mais resolve. Tadinho.
Outro dia ele disse que “o secretário Záchia é a cara da nossa
administração”. Pois não é que a cara da nossa administração
andou na cadeia? Como é que a gente faz quando a cara da gente vai
presa? Pensei em conversar sobre isso com meu amigo Lasier, que
sempre sabe de tudo. Convidei-o para tomarmos um café na Cidade
Baixa mas não teve jeito. O lugar está tomado por anarquistas
mascarados, estes perigosos.
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