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31 março 2014

A coragem de Pepe


Nesta noite em que descomemoramos o golpe militar no Brasil,
paro para ouvir um homem sábio.
Ele lutou contra a ditadura uruguaia, foi preso.
Hoje é o presidente mais ousado que há. Do Uruguai e de qualquer parte.
Ousadia que faz falta. Inteligência, eu diria.
Sempre é bom ouvir pessoas inteligentes, para além de qualquer classificação.
E ainda há os seus cães simpáticos que vêm cumprimentar graciosamente os jornalistas...

"E eu morreria de vergonha se não tivesse a coragem de enfrentar o mundo..."

25 março 2014

Uma caixinha democrática

 Desde junho de 2013 a democracia no Brasil tem sido colocada em discussão. Milhares de pessoas em todo país saíram às ruas com suas reivindicações. Há uma percepção geral de que as pessoas não se sentem mais representadas por aqueles que estão nos cargos de decisão. Todos querem dizer sua palavra.
A escola não poderia estar alheia a tudo isto. Há muito tempo que esta crise, esta desconfiança, se lança sobre as instituições de ensino. Se tornaram comuns as notícias tratando de agressões, violências e intolerância dentro de escolas. É comum se ouvir que os professores “perderam a autoridade”.
O livro “A Caixa de Perguntas: Desafio vivo em sala de aula” (Ed. Libretos) não tem a pretensão de analisar este contexto, mas surge num momento privilegiado e acaba por pensá-lo na prática. Trata-se de uma experiência de sala de aula que mexe diretamente com a questão democrática, com o direito à palavra e com a importância do diálogo para a sociedade.
A sala de aula é um microcosmo que espelha muito do que acontece no país. Nela desaguam as tensões sociais todas. E por que não nascer nela a bela subversão das palavras? Com a prática da “caixinha” todas as vozes têm espaço, mesmo aquelas proferidas por quem não se sente à vontade para dizer-se em público. O anonimato das perguntas traz muitos temas de ordem pessoal, que na leitura para o grande grupo se descobrem de interesse de todos e todas.
Uma das grandes conquistas do livro foi ele ter chego até os chamados “neoleitores”. Todos os dias ouço relatos de pessoas que me dizem “é a primeira vez que leio um livro até o fim”, ou “foi a primeira vez que li um livro”. Este, para mim, é o maior sucesso do livro. Por outro lado, não deixa de causar uma certa estranheza o espanto com a caixa de perguntas, tratada como criação do autor. O diálogo é tão antigo quanto a humanidade, e a abertura para ele nas salas de aula deveria ser lugar-comum e não algo inusitado e “original”.
A emoção dos/as estudantes ao ler o livro também é algo tocante. Há uma grande identificação com as temáticas trazidas, sobretudo porque é a própria voz deles e delas que está posta. Esta provavelmente deva ser uma das poucas obras que traz a fala de adolescentes da periferia de forma explícita. Embora existam muitos estudos sobre temas relacionados a este grupo, não é comum que sua realidade e pontos de vista apareçam de forma tão crua.
Famílias inteiras leem o livro, o que não deixa de ser espantoso. Os filhos se reconhecem nas perguntas, às vezes até nas suas próprias (no caso de meus alunos/as). E pais e mães têm na leitura um acesso privilegiado à mentalidade dos adolescentes, suas ansiedades, apelos e linguagens. O diálogo, que começa na sala de aula, chega até em casa. Nada mais democrático.


Elenilton Neukamp



Foto: Clô Barcellos
  

13 março 2014

13 de março

Em 13 de março Jango fez o célebre discurso, anunciando um Brasil que ainda espera por acontecer.
Semanas depois o país desceu a ladeira.
Na Malásia, há alguns dias, um avião desapareceu no ar.
O sonho progressista de Jango também se eternizou assim, em pleno voo.
O Brasil é este sonho, este projeto que insiste em desaparecer no ar.
Contra ele paira a "subsombra desumana" dos torturadores, direitosos e fascistas em geral.
50 anos depois nosso 13 de março traz livros luminosos, como o de Juremir Machado da Silva.
E traz também Sebastião Salgado nos mostrando um Gênesis, um outro planeta, e todas as nações indígenas lutando pela vida.
50 anos depois e insistimos.
O Brasil não cabe em nenhum discurso. Mas sempre começa num ato.

07 março 2014

O quase-poema do lixo

O lixo abunda na calçada
A polícia treinada
nas ruas protege
o lixo

Montes de lixo armado
Mares de gente armada

Garota de Ipanema
coitada
voou para Miami
em busca da paz das lojas
em busca de lixo

O prefeito, que perfeito
criou multa para si mesmo
que doce que lindo que lírico
que lixo

Uma professora feliz
embarcou no concurso
para levar alunos na
fábrica da Cloaca Cola

Montes de gente
Mares de lixo

O lixo abunda na escola
bem protegido
O lixo abunda na calçada
bem ensinado

Lixo, lixo
lixo para ser varrido
Vento laranja para limpar as calçadas
Vento laranja para novas pegadas




Foto: José Maria Arruda (Rio de Janeiro, 07/03/2014)




06 março 2014

Racismo e futebol

Quando eu era pequeno, era "normal" ouvir piadas racistas. Ninguém questionava. E meus amigos negros só baixavam a cabeça ou fingiam não se importar.
Sentia vergonha ao ouvir meu pai fazendo esse tipo de piada.
Isto era no tempo das cavernas, da ditadura militar, das leis que não podiam ser questionadas e dos costumes tornados pedra.
Sei que estamos há mil anos-luz de distância de qualquer coisa que pareça um mundo decente.
Mas damos alguns passos como civilização. Saímos da caverna em vários sentidos.
Racismo é crime. Um aninho de cadeia, dois anos, em regime semi-aberto? É pouco? Claro que é pouco. Mas já é algo.
Quando eu era criança, adorava futebol, jogava, ia emocionado nos jogos. Um dos motivos que me fez criar asco (dos estádios, não do esporte) foi exatamente o racismo.
Você ver, ou assistir na TV, uma torcida imitando macacos quando um jogador negro entra em campo...é algo inaceitável. Em qualquer lugar do mundo, não interessa onde. E depois perceber que ninguém é punido, aí então se torna repugnante.
A tolerância com o racismo é que não pode ser tolerada.
O que aconteceu ontem com o juiz de futebol é um absurdo. E se há quem se leve a sério nesse mundo/negócio do futebol, que proteste contra isto e exija punição.
A mesma indignação vale para a homofobia no futebol, que segue gerando violência dentro e fora dos estádios. Também aí precisamos de lei, porque há uns "homens de Neanderthal" para os quais não há razão nem argumentos.

03 março 2014

Millôr e virgindade na TV

A televisão tem essas coisas.
No intervalo da entrevista com o Millôr (reprisada hoje na Cultura), fui ver o que se passava nos outros canais.
Sou leigo nestas coisas de tv, então fiquei "zapeando".
Me detive uns minutos num deles. Era um programa religioso, ou algo do gênero topa tudo por dinheiro.
E havia um apresentador, um pastor e uma sexóloga. O apresentador fazia gracejos para a sexóloga, com certo esforço para se conter.
Comentavam o "dilema" de um telespectador.
O drama do rapaz era o seguinte: na noite de núpcias havia descoberto que sua noiva, cristã, não era mais virgem...e há dois meses ele já não sabia o que fazer.
Além do tema intelectualmente instigante, o som do programa chegava segundos antes da imagem.
Muito interessante toda aquela composição.
No intervalo seguinte, o apresentador estava vendendo um produto, junto de outro homem. Parece que o dilema da virgindade já havia sido solucionado,
para a alegria do noivo que pode agora enfim dormir tranquilo.
Ou não.

01 março 2014

As cores



Fiquei pasmo hoje diante de um lugar que de
tão perto nem parecia ser daqui. Verde, verde.
Nos olhos do meu filho uma estrada estreita
me levando até a infância.
Um cão enorme que seguia uma carreta de bois
sobre uma trilha serpenteando em "s".
E diante dos nossos olhos o amarelo do milho
nos lembrando o eterno mistério de tudo que há.

Um rio, marrom.