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07 abril 2011

Os armados cidadãos de bem

Escrevi o texto abaixo no dia 9 de outubro de 2005, quando o país discutia a proibição ou não do comércio de armas.

Penso que continua atual, sobretudo depois do massacre de hoje na escola do Rio.


OS ARMADOS CIDADÃOS DE BEM

*Elenilton Neukamp

Estou cansado de ouvir falar no "cidadão de bem",
ou que tais pessoas são "do bem". Se compreender a
vida fosse tão fácil assim, já teríamos acabado com o
"mal" e viveríamos no paraíso terrestre.
Este mês teremos o referendo sobre a proibição da
venda de armas no Brasil. É engraçado o argumento dos
que são contrários: "estão desarmando os cidadãos de
bem". Se respeitar as leis de um país é um critério
para ser "cidadão de bem", então já temos um sério
problema.
A grande maioria das "boas pessoas" que têm armas
não possui o porte, que é o documento que garante
tanto a procedência da arma quanto o direito de
possuí-la. As armas que elas possuem vieram do
comércio legal, passaram pelas mãos de bandidos e
foram para a rede clandestina de comercialização. Em
outras palavras, o que estou dizendo é que a maioria
dos ditos "cidadãos de bem" que possuem armas são, no
mínimo, cúmplices do crime. Estão na ilegalidade,
esperando o assaltante com um revólver raspado na mão.
Bandidos adoram armas, isto não é nenhuma
novidade. No comércio de drogas uma arma funciona como
uma poderosa moeda de troca. Na hora de um
arrombamento de casa, por exemplo, aquela que
sabidamente tem em seu interior alguma arma é
certamente a escolhida. Armas atraem bandidos, porque
fazem parte de seu mundo. São instrumentos para o
crime e fáceis de vender ou trocar.
É claro que proibir as armas não vai acabar com a
violência. Mas é ainda mais claro que, quanto menos
armas circulando, menor é a possibilidade dos bandidos
chegarem a elas e de levarmos um tiro no meio da rua.
Se possuir armas garantisse segurança a alguém, os
Estados Unidos seriam o país mais seguro do mundo. Mas
o que acontece lá? Crianças armadas invadem escolas e
provocam chacinas.
Quando não há mais argumentos, fala-se no
contrabando. O contrabando que existe é de armas
pesadas, e se concentra basicamente no eixo Rio-São
Paulo. As granadas e minas terrestres apreendidas são
todas provenientes do Exército brasileiro, roubadas de
seus arsenais. Cabe ao governo brasileiro investir
mais na segurança das armas do próprio Exército, que
também deve fechar as fronteiras à entrada das
contrabandeadas.
Proibir as armas não é retirar direitos dos
cidadãos. Viver em sociedade é ter limites, e são os
próprios cidadãos e cidadãs que irão decidir se querem
ou não que existam limites para as armas. Quem deseja
que as coisas permaneçam como estão vota contra. Quem
deseja que aumentem os limites vota a favor.
Permitir a venda de armas para o "cidadão de bem"
não melhora em nada o problema da segurança. Só pode
piorar, porque aumenta a oferta de armas e o acesso
dos criminosos a elas. Além disso, aquilo que todo
mundo já sabe: os bons cidadãos armados também bebem,
brigam, perdem o controle, e suas maiores vítimas são
normalmente as mulheres.

*professor de Filosofia

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