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18 junho 2010

Jesus de Saramago


Algumas palavras, a partir d'"O Evangelho segundo Jesus Cristo", escritas há tempos. Em homenagem a Jose Saramago e sua incansável ousadia em dizer não.



JESUS DE SARAMAGO

Jesus de Nazaré, desde teu silêncio de milênios, fala-me do teu suplício. Sei que é bem verdade que o Diabo bem melhor teria pensado teu futuro. Mas foi um deus perverso e frio que assim o quis. Que tu morresses com os braços esticados e as promessas perdidas. O som das vaias e os gritos da multidão. O sangue gotejando um novo tempo e o vinagre lambendo teus lábios. Ou será tudo uma grande invenção? Jesus de Saramago, envolto em medalhas e cicatrizes. Vultos e gritos desesperados de dor. Vinde a mim as criancinhas para dizer-lhes que tudo não passa de uma mentira. Jesus Nazareno, figura do deserto. Carpinteiro. Vagabundo. Louco. Messias. Quem tu és? Por que não respondes quando te pergunto? Por que nunca secam as manchas de sangue no teu corpo de cera? A dor que tu sentistes não salvou a ninguém. O símbolo da tua morte passeia por vis pescoços. Penduricalho de ouro ou lata. Fascínoras e infames enriquecem gritando aos ares o teu nome. E no dia que escolheram para teu aniversário passeiam com sua hipocrisia. Jesus da Galiléia, pescador, que nunca escreveu nem criou para si religião. Que não concebeu gravatas nem Vaticanos. Abandonado por todos os deuses, assustado, crucificado. Em teu nome milhões foram mortos. Uns muitos queimados. Outros tantos enforcados. Há ainda os que sofreram nas torturas antes da hora final. E aqueles trespassados pelas lanças e projéteis cristãos. Os reprimidos pelas morais frouxas e inumanas que inventaram em teu nome. As que nasceram, cresceram e morreram cabisbaixas porque diziam que tu assim querias. Os que mandaram matar e depois lideraram a marcha fúnebre aos prantos. Os esbofeteados. Marcados a ferro. Gozando sadicamente a cada chicotada. Mas há também os que estendem a mão. Jesus de Belém, que acaso possas ter pensado qualquer uma dessas grandes e pequenas loucuras. Tudo o que ouvi de ti me veio de alheias bocas, que ouviram de outras e outras e outras. E, por fim, de outras que por este planeta podem nem ter passado. Jesus pintado pelas tintas literárias de José Saramago. Para quem inventaram uma canção chata e monótona que é repetida todos os anos. Por quem discutem, rezam, choram, sonham e matam com toda paixão. Homem rebelde. Maluco. Pacifista. Ser humano indesejado pelos poderosos de ontem. Usado pelos de hoje. Salvador dos dominados. Salvador do dominador. Que segredos poderíamos desvendar sobre tua vida singular se nos fosse possível abrir caminho por entre dois mil anos de criações?

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