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08 maio 2018

Teatro do Teléco



A lona toda furada, como se fosse vítima de uma chuva de estrelas quentes, denuncia a idade e os lamentos do tempo. Mas são sorridentes os seres que habitam o espaço mágico do picadeiro. Sem palco, sem jogos hipnóticos de luzes, sem propaganda, os artistas ainda iluminam o sonho de pequenos olhos. Na saída olhei o horizonte que se via dali. E eram nuvens carnosas que animavam o frio da noite.
Das sombras e das sobras do que foi um dia um bom alojamento surge o homem. Seu rosto trilhado de caminhos e habitado de olhares revela toda a grandeza de sua idade. Suas mãos são geladas e seu espírito alegre agradece-me a ajuda, o acaso formoso que nos pôs ali, frente a frente, dois homens assim tão distintos e tão próximos. Seus cabelos são levemente compridos, como se quisessem denunciar uma rebeldia que já não se necessita estravagante. Ele é um palhaço. Normal assim, como um ser humano que perdeu suas tintas deslumbrantes, poderia até fazer chorar. Conta-me das últimas desgraças, essas pequenas bravas que preferem pôr-se em nosso caminho provocando-o como adolescentes cruéis. No estado de Santa Catarina o furacão triste jogou-os para longe, sem dó algum dos cãezinhos, pombas, nem do palco carcomido de passos e passos e saltos. Fugindo dele acabaram boiando nas enchentes mais ao sul. E agora o começo de novo. E eu uma mão, mais uma.
A grandeza está exatamente em não saber o que vem amanhã, é disso que vivemos”. As palavras do homem jogaram minha cabeça para girar no carrossel. Os pedaços sonolentos dela foram até o carro e seguiram caminho até o trem, até as ruas vazias de gente, até a casa. Crianças alegres comem agora suas maçãs açucaradas e no seu lambuzo infantil nem percebem que ainda me quedo ao lado, como um fantasma de tudo que eu não fui. Uma parte do que sou e outra do que poderia ter sido navegam nos aplausos do circo.
Teatro do Teléco. A criança que eu fui reclama seu lugar no futuro e aos prantos rasga o meu peito e pede passagem. Eu estou aqui.



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