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12 junho 2013

Memórias de estudante



Eu era da turma 52. O ano era 1984. Andava um pouco solitário, triste. Meus pais haviam se separado. Um para cada lado, e eu para lado nenhum. Lembro-me bem que minha calça era de tergal, daquelas azuis de uniforme de colégio. Não era muito raro eu andar com ela suja e percebia que alguns colegas faziam comentários maldosos sobre isso. Teve um dia que caí num valo e não pude ir à aula porque ela estava molhada. Tive que ficar embaixo dos cobertores.
Fazíamos uma festa quando faltava um professor. Havia uma professora que gritou comigo várias vezes, eu odiava a aula dela e por isso não entendia nada da matéria. Uma outra debochou de mim quando eu disse que havia faltado no dia anterior por causa da enchente. Ela devia morar no outro lado da cidade para não saber o que nós sofríamos com as inundações. Arremangar as calças até os joelhos e pôr os pés na água gelada, no inverno, às sete da manhã para ir pra aula, definitivamente não é para qualquer um...
Até a quarta série eu era considerado um aluno exemplar, com direito a ler em público nas datas em que a escola dava um cachorro quente e um copo de “ki suco”. Não entendia muito o que estava lendo, mas as professoras gostavam. Minhas notas eram altíssimas, porque no colégio eu fugia dos problemas de casa. Éramos obrigados a cantar o hino, e não entendíamos o que significava. O pior foi quando a diretora me chacoalhou e gritou “canta!”. Obrigavam a gente a marchar da vila até o centro da cidade, como se fôssemos soldadinhos de chumbo. Eu odiava aquilo.
Na quinta série uma vez levei uma suspensão. Briguei no recreio. Um olho ficou umas três vezes maior que o outro. Assinei o “livro negro”. Depois daquela briga percebi como é estúpido bater em alguém, como é estúpido apanhar também. Que grande bobagem! Minhas notas caíram mais que a confiança do povo na ditadura que estava acabando. Um dia apareceu escrito numa prova: “Você regrediu muito”. Fui direto para o dicionário, não sabia o que era regredir. Outro dia a professora de Português tinha me dito isso e eu achei graça. Ela ficou brava porque pensou que era deboche, mas eu estava rindo mesmo era daquela palavra esquisita.
Na sétima série minha turma era a 71. Estudávamos pela manhã. No primeiro e no segundo bimestres não entendi nada do que estava acontecendo. Tirei vários “zero” nas provas. Marquei um encontro com uma menina para o último dia antes das férias de julho. O nome dela era... Bom, creio que não há necessidade de dizer o nome dela, não é? Acontece que no dia choveu. Eu fui até a escola, mas fiquei numa área coberta do lado de fora do portão. Esperei a tarde inteira e ela não apareceu. Meses depois soube que ela também passou a tarde suspirando e me esperando, só que do lado de dentro do portão.
As férias e a preguiça me acostumaram a dormir demais e a ler “de menos”. As aulas recomeçaram e eu não aparecia na escola. Umas duas semanas depois, foram na minha casa me procurar. Mas não eram daquele colégio, e sim do outro em que eu estudava antes. A Dona Líria, uma orientadora educacional que atendia no SOE, mandou me chamar. Nem quis minhas explicações, foi logo me matriculando numa turma do noturno. Eu tinha treze anos e estava começando a trabalhar. Cuidava de um estacionamento de uma farmácia. No ano anterior tinha sido vendedor de picolés.
Os professores e professoras eram diferentes, conversavam com a gente sobre qualquer coisa. Fui muito bem recebido e me aceitaram como eu era. Meus colegas eram mais velhos do que eu, e com eles aprendi a ouvir as pessoas com mais experiência do que eu. O que fico me perguntando é o que teria acontecido comigo se ninguém tivesse me procurado, me ajudado.


Mas que grande falador sou eu. Lembrei de tantas coisas, falei tanto, mas o que queria mesmo era dizer pra você aproveitar esse tempo que passa na escola. A escola é um lugar onde a nossa vida acontece, onde aprendemos coisas e conhecemos pessoas. E não importa a nossa idade nem o lugar onde a gente está. O que importa é viver bem esse tempo de estudante. Isso vai ser bom para nós e para o mundo, que precisa cada vez mais de pessoas que leem e pensam.

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