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05 março 2013

A maior de todas as revoluções




Ana viu o futuro e ele era um jovem franzino que parecia fantasiado com seu minúsculo bigode.
Chegou-se de uma cidade distante. Era de um tempo em que se acreditava que o exército transformava um menino em um homem durante um ano de exercícios e humilhações constantes.
Então assim já homem feito foi logo combinando com o dono da casa o casamento com a filha.
Talvez tenha visto a moça uma vez. Ela, entretanto, nunca o vira antes.
Por uma fresta entre as tábuas velhas da parede Ana viu aquele a quem o mundo escolhera como seu marido. O mundo dos homens do início do século XX.
Ao lado dele, com o primeiro filho, seu olhar rebelde de criança assustada quase dá cor ao preto e branco da fotografia.



Minha amiga não gostava de sua avó.
Não conseguia entender porque a velha mulher era tão rude e estúpida com seu querido avô. Ele sempre tão meigo, tão bom, a brincar com os netos.
Enquanto o avô dava atenção às crianças, a velha bruxa ficava prostrada em seu canto, quieta e raivosa. Ela era má. Ele sem dúvida representava o bem. Não havia dúvidas de quem seria um dia condenado por deus. Cada palavra que ele lhe dirigia era respondida com uma agressão verbal. Às vezes ela sequer falava. Sua resposta era um grunhido.
Quando o avô morreu foram prestadas todas as homenagens que se prestam a um bom cristão. E é claro que não faltaram as flores para dar um tom de esperança e vida ao cortejo fúnebre.
Dias depois a avó quebrou um silêncio de décadas e reuniu os netos para contar-lhes um segredo.
Quando era ainda uma menina de doze anos, distraída com suas bonecas e brincadeiras, foi atacada por um homem mais velho quando voltava da roça. Violentada e violada brutalmente, voltou para casa arrastando-se entre o sangue e a vergonha.
Como um pequeno animal acuado, tremia desesperada quando caiu nos braços da mãe. Estava quase irreconhecível.
A boa sociedade não teve dúvidas do que fazer. Que se colocasse uma pedra sobre o assunto. O casamento e o silêncio eram a melhor solução.
Minha amiga passou a amar a sua avó, e o avô teve sua segunda e pior morte.


Naqueles anos – nas cidades iluminadas que Ana e a avó de minha amiga não conheciam - milhares de mulheres coloriam as ruas com suas cores e desejos. Não queriam mais ver o mundo através das frestas, nem tampouco ser obrigadas a casar com estupradores.
Começava a maior de todas as revoluções: a revolução das mulheres.

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