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22 abril 2012

Raul Seixas - o início, o fim e o meio

Para quem gosta de Raul Seixas, indico o documentário "Raul: o início, o fim e o meio" que agora (finalmente) está sendo exibido em Porto Alegre. Emocionante, engraçado...e também triste. Triste pelo fim precoce do Raul e pela anestesia deste nosso tempo, que fica mais evidente ao rever o quanto outros foram críticos e sarcásticos... Guardo na memória a imagem de Raul aqui em Porto Alegre, em despedida, virando os microfones para a platéia. Um gesto significativo. "Agora é com vocês", ele disse.
Coerente com a maluquez que nunca controlou e com uma época que negava, ele escolheu a morte.

15 abril 2012

O silêncio

No sábado chuvoso uma aula tranquila com um pequeno grupo de alunos/as. Da turma barulhenta da semana um grupinho calmo e molhado havia chego até ali. Guarda-chuvas em greve. O som da chuva renitente lá fora embalava nossos ouvidos. Quando então uma aluna - que normalmente fala pelos cotovelos - veio com esta preciosidade: - Eu não gosto do silêncio. Dá até pra ouvir meus pensamentos. Creio que agora ela começou a entender o que é a aula de filosofia... (E eu corri para pegar a caneta e o papel, como quem agarra com paixão seu violão, e anotei sorrindo esta frase que agora divido com vocês).

07 abril 2012

Um dia ruim (conto)

Como é chato acordar antes do despertador. Assim aconteceu naquele dia. Naquela madrugada. E ele ficou se revirando de um lado para outro até que chegasse a hora. O mesmo horário de todo dia. Cinco e quarenta da manhã. Mas antes da hora, o que fazer? Não pode se mover muito. Apesar da aparente calma, Helena se tornava agressiva quando lhe acordavam. Então o melhor era não se mover. Não mexer a cabeça. Tentar não respirar com força, não suspirar de tédio e insônia. Contar carneirinhos. Fazer o possível para não incomodar a mulher que ele há muito já não amava. Resolveu levantar. Em silêncio carregou consigo o relógio. Em verdade, o relógio era um telefone celular. Faltavam apenas alguns minutos. Bastava desprogramá-lo, e foi o que fez. Ela só acordaria mais de uma hora depois, pois tinha seu próprio negócio. Não era empregada, como ele. Mas tinha que aturar suas empregadas. Enfim pensou que esta história de ser patroa não lhe tornava a vida muito melhor. Apenas sofria de outros tormentos. E o casamento era o tormento que haviam inventado em comum. Com direito a álbuns de fotografias e papéis a assinar. Um café passado na hora. Bela maneira de começar o dia. Para isto inventaram as cafeteiras. A sua era italiana. Dava um ar mais distinto à sua manhã. Café italiano. Não, café “à italiana”. Sorriu com este pensamento bobo. Jogou as duas colheres habituais do pó negro e apertou o botão. A água, sim, a água também. Caminhou até o banheiro. Abriu a torneira. Jogou a água fria sobre o rosto amassado. Escovar os dentes, todo dia precisa fazer isso. O cheiro do café não tomava conta da casa. Nem a italiana fazia qualquer ruído. A torneira do banheiro estava pingando, percebeu. Já havia percebido há semanas, é verdade, mas agora aqueles pingos lhe incomodavam. O som das gotas batia no silêncio que vinha da rua. A ausência do ruído da cafeteira que perfumava seu início de dia. O que acontece quando as coisas parecem querer nos dizer algo? O que fazer para furar um bloqueio de equipamentos? Apertar o botão. Mas o elevador não se move. Foram instantes que duraram uma eternidade. Viu todo o roteiro do dia passar diante de si como num filme. Sua imaginação se movia, já se via no carro, na rua, já se via chegando. Mas o elevador não se movia. Havia apertado o botão de seu próprio andar. Apertou o “P” e a máquina moveu-se. O carro não se moveu. Revelou-se no que era: uma máquina fria. Algo muito errado. Girou a chave, como de costume. Motor ligado, faróis acendendo a manhã escura. Espelhos. Tudo em dia. Combustível, sim, ontem mesmo passara no posto. Saiu. Abriu o capô, verificou o motor. Diante daquele maquinário todo, labirinto de canos e fios, parou. Lembrou que nada sabia de motores. Voltou e abriu a porta. Sentou-se. Bufou, bateu na direção. Pensou no ridículo de bater numa direção de carro. O freio de mão estava puxado. Que tolo. Apertou o botão, destravou-o. Saiu. Escuro demais para o horário. Noite densa num início de manhã, estranho. Ao menos o trânsito fluía muito bem. Nunca conseguira ir tão rápido e tão tranquilo para o trabalho. A porta do prédio ainda trancada. Por quê? Tocou o interfone, nada. Tentou ligar para o escritório, ninguém atendia. Não havia pessoas na rua também. Mas o que havia com o mundo naquele dia? De repente surge do final do corredor um vulto. Uma luz se acende, pálida. Um homem baixo de cabelo desgrenhado se aproxima e abre a porta do prédio. É o novo vigia, explica. Estará ali todos os finais de semana. Finais de semana, como assim? Sim. Foi informado que estavam em um domingo. Se sentiu um tolo. Talvez por isso as coisas todas não queriam funcionar. Também queriam sua folga. Resolveu voltar por outro caminho. Ao menos diminuiria a raiva de si mesmo. Mas já na segunda avenida havia um desvio. “Obras na via”, estava escrito na enorme placa laranja. Não havia o que fazer a não ser seguir aquele rumo. Direção única. Flechas apontando um único caminho a seguir. Entre duas crateras abertas um risco de asfalto em pedaços. Já eram sete horas e nada da luz. Não havia nuvens no céu. No entanto o sol se recusava a surgir. Seguiu as placas indicativas. Flechas negras sobre o laranja opaco. Para onde estavam o levando? Não havia o que fazer a não ser seguí-las. Sentiu uma certa angústia, algo que lhe apertava. Um sufoco no peito, algumas agulhadas no ombro. Certo mal-estar com aquela situação. Não há dor no coração, ele sabia. Mas era mesmo o lado esquerdo que o incomodava. O caminho foi perdendo seus retalhos de asfalto. Agora era o chão batido. Uma estrada de chão se mostrava calmamente a seus olhos. O sol começava a surgir. Enfim a manhã resolvera acordar e pôr a madrugada densa para dormir. Para ele um alívio. A escuridão se tornara insuportável. Além dela toda a confusão das coisas que não funcionavam. Mas para onde levava aquela estrada? Que diabos de via é esta que ele jamais tinha visto? À medida que o sol se avivava a estrada se tornava estreita. E caminhava numa faixa estreita de terra rodeada por morros. A mata densa. Uma mata completamente desconhecida para ele. Nem imaginava que a cidade possuía uma região assim. Uma zona rural em plena capital? Nunca ouvira falar. No entanto começava a gostar. Se tudo começara mal naquele dia, ao menos agora conhecia um lugar novo. No horizonte próximo percebeu uma casa. A estrada tinha fim. Entre ela e a casa uma porteira. Parou o carro. Estava trancada. Bateu palmas. Um homem magro e sorridente começava a se aproximar. Estava todo de branco. Não pôde deixar de estranhar que o homem estava descalço. O detalhe despertou-lhe ainda mais a curiosidade. “Olá. Estávamos lhe esperando”, disse o homem estampando um sorriso largo. E antes mesmo que ele esboçasse uma resposta, tratou de pegá-lo delicadamente no braço esquerdo. Passou a conduzí-lo a passos lentos até o interior do pátio. Um passeio de pedras pequeninas e coloridas, protegidas por flores dos dois lados. Eram gerânios, begônias, e o roxo assustador dos acônitos. A imagem daquelas flores em forma de capuz lhe provocou arrepios. Era uma beleza gelada. Nos fundos do pátio havia uma cerca viva que escondia um portão. O homem abriu o portão. Iam os dois em silêncio. Agora era uma trilha estreita onde só cabia uma pessoa. O vento suave anunciava um belo dia. Pássaros cantavam alegremente. Podia ouví-los mas não vê-los. Uma sensação prazerosa de adentrar nos domínios da natureza. Ao longe o som da água. Seriam vertentes, um rio, um córrego? Logo viu que não. “Aqui estamos meu amigo”. O homem apontou o local com outro sorriso e um braço estendido. Sobre uma enorme pedra várias outras pessoas formavam um círculo. Todas como o primeiro, vestidas de branco e descalças. Aquilo parecia um ritual. Percebeu que no círculo havia um lugar em aberto, uma fenda. Pelos olhares de acolhimento logo viu que aquele era seu lugar. Preparava-se para sentar quando uma mulher apontou para seus sapatos. Ela também sorria. Na verdade todos eram só risos. Normalmente acharia aquela situação patética, mas ali estava começando a se sentir feliz. [continua] Elenilton Neukamp