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27 outubro 2011

Um amor eterno

Anteontem um aluno (tímido) veio ao meu encontro na sala de aula. Olhando desconfiado para os lados, disse que precisava falar comigo sobre "um assunto". No final da aula, intimidou-se com a presença de alguns colegas e disse que ficaria para outro dia.
Ontem voltei a ter aulas com aquela turma. Ele falou então, num tom quase inaudível, de seu drama. Ando meio surdo de tanto ouvir, pedi que repetisse várias vezes alguns trechos de sua narrativa.
Havia marcado um encontro, na sexta, com uma garota pela qual está apaixonado. "Mas eu não pude ir sor, aí ela ficou braba comigo". Eu disse que ele estava apaixonado? Perdão, menti. Ele me falou em amor, em não conseguir viver sem ela. Afinal, já viveu seus longos 12 anos de vida sem a presença dela. Agora se tornou insuportável, não há por que esperar mais. Doze anos é muito tempo sem o amor da sua vida.
E ele não tentou falar com ela depois? Claro que tentou. Vocês pensam que ele já não fez isto? Fez sim. Por vias indiretas, diga-se de passagem. Mas as amigas que foram dar o recado voltaram com um semblante carregado de más notícias. Ele ficou angustiado.

Tentei acalmá-lo, dizendo que a melhor maneira de resolver um problema é conversando. "Então eu tenho que ir falar com ela?". Olha, na idade dele o máximo que eu conseguiria fazer é escrever um bilhete. Se tivesse coragem. É óbvio que eu não lhe disse que nunca tive essa coragem. E que ficava apaixonado um ano inteiro por uma menina que jamais desconfiava disto (até porque morria de medo que ela percebesse).

Chegou o recreio e ele reuniu suas forças, organizou suas estratégias e encontrou enfim a melhor maneira de falar sem tremer os joelhos. Ou, em outras palavras, controlar os tremelicos e ao mesmo tempo organizar sons e proferir algo minimamente compreensível. Não deu certo. Por que o mundo é tão injusto com os tímidos?
Voltou do recreio inconsolado, desconsolado, maltratado por uma mulher cruel e desumana. "Ela olhou bem na minha cara e disse que não me quer nem pintado a ouro". E por que tamanha insensibilidade? Porque ele não foi no encontro da sexta, teve que fazer algo para sua avó.
"O que eu faço agora sor?".
Sua pergunta era sincera, candente, urgente. A maior pergunta da sua existência naquele instante. Poderia ter-lhe dito que as mulheres são assim mesmo, cruéis. Mas estaria mentindo, porque em crueldade e brutalidade os homens são especialistas há milênios. Seria perda de tempo tentar, naquele momento, um passeio pela breve história humana na Terra...o domínio masculino e sua tendência tosca a produzir a guerra e a destruição. Até porque ali, diante de mim, estava um jovem coração destruído.
Sem resposta ou filosofia alguma para lhe propôr, fiz o que em outros tempos seria minha melhor ação diante de uma mulher que me nega atenção - nada. Fiquei quieto. E reproduzi aquele movimento tradicional com os ombros, meio consolo meio desilusão.

Naqueles 50 minutos de aula ele se apagou. Parou de fazer o trabalho. Tirou o moletom. Escondeu-se, chorou, passou a maior parte do tempo cabisbaixo. Quando levantou a cabeça seus olhos estavam vermelhos e lacrimosos. Apenas pude lhe oferecer um olhar acolhedor. A experiência é necessária e supera em muito a racionalização, que apenas vai se dar em geral muito tempo depois. Em se tratando de amor não há manual, nem autoajuda. E isto todo mundo já sabia, muito antes de antes de antigamente.

Passou o período. E nos últimos dois ou três minutos de aula ele ressuscitou. Renasceu das cinzas como aquela ave mitológica. Sorriu, brincou até. O moletom úmido ainda das lágrimas foi rodado, balançado, colocado na cintura. Ainda sobraram uns segundinhos pra dar uns tapas no colega ao lado, por "puro arreganho", brincadeira mesmo. "Porque sabe, sor, aquela guria não me merecia mesmo...".

E saiu da sala com alegres cumprimentos, em leve corrida para dentro de sua sadia adolescência. Preparando-se e preparado para o próximo amor eterno que em breve deve cruzar o seu caminho.

8 comentários:

  1. "Mto bom sor,são essas pequenas paixões q nos levam a um grande amor."
    Karol Vieira

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  2. texto maravilhoso sor maravilhoso.....Maria Luciene

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  3. eu sei o que é isso,eu na minha adolescencia,eu tive varios amores eternos,saudades...

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  4. Adorei a Crônica!!!!! Muito Boa!

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  5. esta é a primeira desilusão, outras virão, pois este menino ainda descobrirá o amor e provavelmente sofrerá por alguma mulher, como todos nós homens, já sofremos...

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  6. Parabens por escrever, coisas tão facinantes trazendo alegria a todos que o conhecem eu fui um desses privilegiados de ter te conhecido Parabens Ae Sor Continue Assim

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  7. Hj é a primeira vez q passo em seu blog.. E sabe q esta história me fez lembrar algo q eu tinha bem escondidinho aqui dentro em alguma parte de mim, e engraçado q a minha lembrança não é muito boa.. mas fiquei feliz!!
    Parabens, Sucesso e tdo de bom.. Mil Bjinhos!!

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  8. Obrigado pelos comentários.
    abraços e beijos!

    Me dei conta que estes textos são a "cara" do blog, e pelo menos neste lugar é isto que mobiliza as pessoas...a poesia da vida, eu diria; sempre que tento trazer algo mais politizado ou crítico vem um certo silêncio. Recebo mais e-mails comentando as postagens do blog do que comentários propriamente ditos (neste espaço).
    E-mails pelo novo: lele.elenilton@gmail.com

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