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23 setembro 2011

O infinito de pé

O infinito de pé

André Abujamra


O infinito de pé são dois biscoitos
O infinito de pé é o número oito
O infinito de pé dois planeta colado
O infinito deitado um óculos quebrado

O infinito de pé duas bolas de sorvete
Um casal de namorado na moto com capacete
Boneco de neve, dois vinhos na adega
Farol de milha de noite quase cega

O infinito deitado olhos de coruja
Dois seres humanos fazendo amor
O infinito de pé é um autorama
Duas pulgas malabaristas no meu cobertor

O infinito deitado cano duplo de espingarda
São os raios de sol nos olhos da namorada
Dois salva vidas à devida no oceano
É a linda cauda da baleia afundando

Oitocentos anos infinito lado a lado
Só que um está de pé e o outro deitado
Buraquinhos do nariz as asas da borboleta
Dois irmãos gêmeos no carrinho de mãos dadas com chupeta

O infinito tá de pé o infinito tá

O infinito deitado janelinha de avião
É o símbolo da paz passarinho a minha mão
É o laço do cadarço para o tênis amarrar
É o beijo na sua boca para o amor alimentar

Ouro sem u e sem r
O infinito é o bigode do francês Pierre
Oco sem c ovo sem v
O infinito é o amor que eu sinto por você

Dois mil e um sem o dois e sem o um
O infinito é uma dupla de sushi de atum
É o reflexo do sol no mar
É a sinuca do bilhar

O infinito de pé é um brinde na taça
Dois buracos na cueca devorados pela traça
Os pneus da bicicleta subindo a ladeira
São os seios da Brigite pra fora da banheira

Dois cocos, duas laranjas, bola de gude bola de meia
O infinito é Jesus Cristo repartindo o pão para os apóstolos na Santa Ceia
Nem todo infinito tem forma pra mim
Einstein Rodchenko Picasso e Tom Jobim
O infinito tá de pé o infinito tá

O infinito é infinito
O infinito é o amor
O infinito nunca acaba porque nunca começou

16 setembro 2011

A saudade é uma cadeira vazia

Me diz meu amigo que a saudade é uma cadeira vazia. Você olha e ela está ali, ao lado, como a lhe dizer de algo ou de alguém. Saudade é uma palavra estranha de tão bonita. Ela fala de tantas coisas, de tantos sentimentos, que se perguntar o que significa a pessoa fica gaguejando e não consegue dizer. Saudade é uma palavra que não cabe. Então se diz que não há lugar pra tanta.
A saudade é tão brasileira que não tem tradução. Quer dizer, não tinha. Os ingleses andaram inventando de colocar ela em seus dicionários. Mas continuam sem ter o prazer e aquele gostinho da coisa dita e repetida em alto e bom som. Uns chamam a saudade de parafuso enferrujado, que quanto mais enrosca menos vai. Outros colocam-na no terreno impróprio e improvável do vazio. Eu prefiro representá-la como meu amigo: numa cadeira vazia, ali ao lado. Esperando aquela coisa, sensação, momento ou pessoa que talvez nunca virá sentar.
Nos porões dos navios negreiros a saudade vinha tremendo de frio e de medo. Amontoados como coisas, homens e mulheres procuravam no úmido e no escuro imagens luminosas das terras de onde acabavam de ser roubados. Em alguns lugares, os governantes que os vendiam faziam com que passassem em torno de troncos na beira do mar. Acreditavam que ao passar eles perdiam a memória. Assim, os inescrupulosos negociantes de gente pensavam aliviar a sua culpa.
Mas a memória da gente não pode ser facilmente apagada. E entre mortos e desesperados, dos navios tumbeiros para as praias brasileiras vieram ritos e cores. Jeitos e sonhos que mudaram este outro lado do mundo, com uma saudade maior que a distância entre este assustador pedaço de mundo e a mãe África do qual foram separados. Dos que sobreviviam a estas viagens diabólicas, muitos morriam de tristeza. “Banzo” era o nome que se dava a esta morte de tanta saudade de casa.
Já os portugueses, que ganharam a fama pela palavra, vieram cantá-la em seus violões e cantos melancólicos. Sob a janela real ou imaginária da amada, ou debaixo das copas de enormes árvores reuniam-se para tocar e cantar. Também eles falavam em sua terra distante, e nos perigos do grande monstro marinho. Mas, com certeza, é bem mais fácil sentir saudade quando a gente não é escravo.
Saudade vai, saudade vem. Quero dizer...tempo vai, tempo vem, e começamos a cantar este nosso sentimento. A saudade praticamente tomou conta da música brasileira. De início meio escondida, porque gostava mesmo era do violão. E o violão, como vocês sabem, era discriminado e quase proibido. Quando ele desceu do morro e saiu das sombras foi um assombro só. Invadiu os salões, não teve vergonha nas ruas. Era melancolia e tristeza misturadas com a alegria de ter vivido aquilo que se cantava. Nunca mais a música foi a mesma.
Saudade que se bebe em longos goles para amaciar a garganta e soltar a voz. Saudade de criança, onde toda uma vida cabe num dia que nunca acaba. Saudade que levanta antes do sol pra preparar o café da solidão. Saudade queimada nas pontas dos dedos. Saudade de um certo gosto, de um cheiro especial que só se sente num certo lugar ou ao lado de uma certa pessoa querida.
Como é difícil dizer o que é a saudade, esse sentimento de que sempre está faltando alguma coisa. Essa estrada longa e envolta em bruma, que começa e termina não se sabe bem onde dentro de nós. Meu amigo, acostumado à vastidão dos campos e dos ventos que neles galopam soltos, diz que a saudade é uma cadeira vazia que range. Talvez sejam os sons dos fantasmas que nos povoam, que nela sentam e ficam rindo.
De tanto falar em saudade me veio a lembrança de uma gargalhada que anunciava a madrugada. E certos cabelos longos, que de tão belos podem ser adorados como objeto de devoção. Mas vamos parando por aqui. Que cada leitor ou leitora agora tome um tempinho, e abra sua caixa de saudades. E deixe que elas venham, e deixe que elas falem.

Elenilton Neukamp
[Trecho de "A Caixa de Perguntas e outras histórias de aprendiz", que está em busca de editora para ser publicado]

13 setembro 2011

Indignado

O "Não entendi" é sintomático. É onde esquerda e direita se encontram no Brasil. Na falta de leitura, de cultura, de formação no sentido mais amplo. Por isto as críticas irracionais contra figuras como o Rolim e tantos outros. Pensar incomoda. E se você não concorda com as idéias do outro, mais fácil é desqualificar. Argumentar dá trabalho.
O Tom Zé diz tudo: "Defeito Burrice", anda na esquerda e anda na direita, e não precisa de data comemorativa - porque a burrice é diariamente gloriosamente festejada!

Agora você critica o governo e lhe taxam de "conservador". Você critica o Sarney e os seus amigos petistas dizem que você é do "Pig", mancomunado com a mídia de direita.
E quando era o PT que criticava o Sarney? Eu estou delirando, ou aquele "Sarney" que chamávamos de ladrão nas passeatas do partido não era o mesmo? Quem é que mudou, afinal?
Isto apenas para usar um pequeno exemplo.

Mas cuidado. Eu faço parte de uma grande conspiração de direita que pretende derrubar essa maravilha de governo revolucionário no Brasil, que está unindo as forças mais avançadas da Nação (juntamente com Collor, Sarney, Renan Calheiros etc etc etc). Ah, e tem o PMDB, sempre preocupado com o povo trabalhador. E o PP, que nunca apoiou a ditadura, porque nem deve ter acontecido ditadura nenhuma...isso deve ser alguma armação da grande mídia para desestabilizar, criar intrigas.
(Só debochando mesmo).

Ah, por favor gente! Onde foi que vocês deixaram o senso crítico?






[Comentário sobre uma entrevista de Marcos Rolim no site Sul 21, onde um leitor assinou como "Não entendi"]

11 setembro 2011

As torres caíram

As torres caíram. No tabuleiro complexo do jogo de poder do mundo algo perigoso ficou no ar. E não são ruínas que nos assustam. E não são todas aquelas mortes a única das tragédias. O trágico é a ausência de regras no jogo. Mesmo frágeis, antes elas serviam ao menos para limitar um pouco a força do grande jogador. Agora a mão pesada do Império joga para longe as peças que sobraram, e o próprio tabuleiro começa a perder o sentido. Acabou o jogo?
Minha mãe me chamou e disse que estava acontecendo algo estranho, que eu ligasse a TV. Ao vivo todo o planeta assistiu aos ataques. Incrédulo, liguei para meus amigos e amigas mais próximos para ter certeza de que estava acordado e de que aquilo tudo era mesmo verdade. Não faltaram vozes a profetizar o início do fim da dominação americana. Ingênuos. Tudo o que os fascistas sempre precisam é de um inimigo, mesmo que imaginário.
11 de setembro de 2001. Começava drasticamente o século XXI.

Estas palavras aí acima escrevi por aqueles dias. E o que mudou de lá para cá?
Os americanos continuaram invadindo países e inventando guerras para mover sua poderosa máquina industrial. Invadiram o Iraque, o Afeganistão novamente.

Mas o 11 de setembro aqui na América Latina é marcado pelo golpe no Chile. Também patrocinado pelos Estados Unidos, como no Brasil em 1964.
Estes golpes e atentados contra a soberania dos países também ajudam a explicar o onze de setembro de 2001. O terrorismo não surgiu do nada nem tampouco caiu do céu.

Outro dia um aluno me surpreendeu, perguntando se aquelas cenas das torres caindo eram mesmo verdade ou se tudo não passava de efeitos especiais. Impressionante a pergunta, em seu sentido literal e simbólico.
Os americanos, se não tivessem o olhar paralisado no próprio umbigo, poderiam se fazer igualmente muitas perguntas.
Porém, aos milhares, foram para as ruas comemorar a morte de Bin Laden. Sociedade estranha esta, que prega os direitos humanos - para os outros. Fossem um pouquinho mais inteligentes teriam capturado seu inimigo vivo e assim desbaratado sua rede. Mas era necessário criar o mito, atirando-o ao mar. Um inimigo, mesmo que virtual, sempre é uma possibilidade de novas guerras e lucros.

07 setembro 2011

Fala Buñuel

"Hoje, a crer no que me dizem, acontece com o amor o mesmo que com a fé em Deus: tende a desaparecer - pelo menos em certos meios. É considerado tacitamente um fenômeno histórico, algo como uma ilusão cultural. É estudado, analisado - e, se possível, curado.
Protesto. Não fomos vítimas de uma ilusão. Mesmo que para alguns pareça difícil de acreditar, nós amamos de verdade."

Luis Buñuel,

em 'Meu último suspiro', pág. 211 (Ed. Cosacnaify).

02 setembro 2011

Uma foto




Protesto por segurança, dentro do desfile da "semana da pátria", no bairro Restinga em Porto Alegre/RS (02/09/2011)