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01 maio 2011

Delúbio, o santo

A volta de Delúbio Soares ao PT é fato que faz pensar.
Para quem não lembra, ele era o tesoureiro do partido, um dos envolvidos no escândalo apelidado de "mensalão". Talvez o apelido não seja o mais apropriado, mas não há dúvida de que se tratou de um grande esquema de corrupção.
Esquemas de corrupção não são novidade no Brasil. Este foi emblemático porque envolvia o partido político que até então se apresentava aos brasileiros como exemplo de ética e correção no trato com o dinheiro público.
Bem, na ocasião Delúbio foi expulso do PT. Claro que se tratou de um ato teatral, para dar uma "resposta" à opinião pública. Agora ele retorna ao partido, ainda que permaneça réu de um processo que envolve a ele e a uma carrada de gente (entre os quais o obscuro publicitário Marcos Valério). Dos corruptores pouco se fala.

Até aí nada de novo. Justiça foi feita. O PT apenas assume publicamente o que todo mundo já sabia: é igual aos outros, faz as mesmas coisas, participa da mesma jogada.
O que me chamou a atenção nas alegações petistas foi o vocabulário utilizado.
"Delúbio é um soldado do partido, um militante fiel", disse uma voz. Militante, soldado, fiel. As palavras se repetiram em outras falas de dirigentes partidários.
Fiel porque calou a boca e não dedurou ninguém. Soldado porque assumiu para si uma "luta" que envolve uma "causa".
Soldado, militante, fiel. Expressões que vêm de tradições militares e religiosas. Lembram devoção, abnegação, entrega. O pobre Delúbio, professor de Matemática dos confins de Goiás, vira o tesoureiro do PT e começa a mexer com muita grana. De empresários, empreiteiras, grandes bancos. Todos preocupados com o bem geral da nação, claro.
Pois em nome de um bem maior que é a chegada do Partido ao poder, eis que precisa fazer certas coisinhas não tão apropriadas para quem se diz portador de toda a ética do mundo. Mas tudo é por um bem maior, pela causa, pela Verdade. Um pequeno mal necessário para se chegar ao grande Bem.

A esquerda, de uma forma geral, se propôs a racionalizar a política eliminando dela atores e propostas que lembrassem a salvação fora deste mundo. "A religião é o ópio do povo", dizia a célebre frase de Marx - corretíssima se levando em conta o papel que a instituição Igreja cumpria na sociedade de seu tempo (e de forma geral ainda cumpre). Porém, não parece que Marx tenha pensado para um tempo breve o fim das religiões nem tampouco da religiosidade. E as massas parecem sempre precisar de novos ópios para suportar a dura realidade.
Estranha a história. Preocupados em eliminar o que chamavam de religião, os marxistas acabaram por recriá-la em outras roupagens. Alguns de seus líderes passaram a ser reverenciados como antes o eram em seus países os santos católicos. Me vem à mente agora a figura de Stálin, mas poderíamos pensar em outros. Pela direita temos Hitler, Franco e tantos outros.
Che Guevara, apesar de sua trajetória impressionante e genuína, foi transformado em estampa. A famosa foto em que aparece com o olhar mergulhado no horizonte é hoje a imagem mais reproduzida em todo o mundo. Jovens usam camisetas com sua face muitas vezes sem sequer imaginar de quem se trata.

O pensamento do que se costuma chamar de "militante" é limitado, afinal não se espera de um soldado muito mais do que cumprir ordens e lutar encarnecidamente em nome e no lugar de seus comandantes. Delúbio é um soldado, um militante exemplar. É claro que ele é apenas uma pecinha de um esquema, um instrumento. No entanto age como alguém escolhido pelo destino, ungido por alguma divindade deste mundo ou governante dele. Caminha de cabeça erguida, como quem diz: "Fiz porque há sacrifícios que precisam ser feitos pelo bem de todos". E se aparece publicamente vestindo uma camisa da seleção brasileira, é porque algum publicitário de meia tigela assim o aconselhou; talvez para confundir o expectador com uma dose de ridículo.
Além disso, como bom militante, bate de frente em seus acusadores. São infiéis, o outro lado, a mentira personificada. Quem não pensa como ele é inimigo, e ponto final.
O militante é fiel de uma causa e traz nas mãos e no peito a Verdade. Quem o acusa só pode estar ligado ao Mal, à Mentira e à Ilusão que impedem o Homem de chegar ao paraíso terrestre. Jamais um militante cometeria a ousadia intelectual de pensar na possibilidade de que pode estar errado. Seria um desvio, coisa de filósofos.

Não deve causar surpresa se daqui a alguns anos se fará para ele uma estátua. Será colocado como personagem de livros, exemplo de conduta nas cartilhas que continuarão a ser feitas apesar dos fatos e da realidade.
Delúbio é um santo. O santo do PT. Representante exemplar deste partido e de todos os outros. Porque no Brasil só existe um partido: O partido dos que querem usar o poder para seus próprios interesses.

Delúbio é um santo. Merece um feriado e homenagens no Congresso Nacional, patrocínio de nossos honestos empresários, propaganda na nossa imprensa independente e livre.
E uma estátua enorme no coração de Brasília. Com aquela camiseta amarela da seleção canarinho.

3 comentários:

  1. A propósito: Delúbio foi condenado pela Justiça a devolver R$ 164 mil para o governo de Goiás, por receber durante vários anos salário de professor estadual sem trabalhar...

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  2. E por falar em santo, aí vai um linck sobre o mais novo santo da Santa Madre Igreja:

    http://miltonribeiro.opsblog.org/2011/05/02/joao-paulo-ii-vira-beato-logo-sera-santo/

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  3. FERNANDO DE BARROS E SILVA, Folha de SP em 10/05/11

    Delúbio de areia

    SÃO PAULO - Ao reincorporar Delúbio Soares aos seus quadros, o PT reivindica para si a impunidade das elites brasileiras contra a qual um dia teve a pretensão de lutar.
    Já faz tempo que a diferença entre o PT e as elites não é mais de classe, mas de estilo. Apesar de criadas no leite gordo, como foram por Lula, as elites ainda preferem o jeitinho tucano, mais "refinado".
    Fiel aos seus, Delúbio quis comemorar sua volta ao PT com uma churrascada na roça. É claro que nenhum petista conhecido apareceu por lá. Só o aceitaram no partido pela razão óbvia de que ele sabe coisas demais e pressionou até exaurir "o senso ético" do petismo.
    Delúbio, hoje, é como alguém que pegou lepra: ninguém quer chegar perto. Um pouco como Zé Dirceu, embora este ainda exerça fascínio sobre certa militância e alimente a mitologia em torno do "Che Guevara de Passa Quatro".
    Entre a volta de Delúbio ao PT e a decisão recente do STJ, que anulou os resultados da Operação Castelo de Areia, da PF, não há nenhuma relação objetiva. Mas não haveria entre esses episódios distintos uma espécie de "afinidade eletiva", de comunhão secreta? Não são retratos do país da impunidade de uns poucos, que o PT agora ratifica?
    O argumento capenga de que Delúbio "já pagou" e "não há pena perpétua no PT" equivale, simbolicamente, à decisão da Justiça de anular as provas -fartas, contundentes- contra a Camargo Corrêa, sob a alegação de que foram obtidas por meio de denúncia anônima. Num caso, ele "já pagou!"; no outro, "as provas não valem!". Tal política, tal Justiça. Mas qual país?

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