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27 maio 2011

Com os filhos na greve


Dizem que foi no Egito, por volta de 2100 a.C.. A primeira vez que os trabalhadores se organizaram e resolveram parar de trabalhar. Eles queriam receber mais comida pelo seu trabalho. Estavam construindo um templo, e a quantidade de pães que ganhavam era insuficiente para alimentar a eles e suas famílias. Teriam sido as mulheres que os convenceram a parar. Sempre elas.

O lugar onde as pessoas iam procurar trabalho, na França do século dezenove, era chamado de Place de Grève. Então o termo "greve" já na origem lembra pessoas reunidas nas praças.

Pessoas reunidas sempre são uma possibilidade. Possibilidade de quê? Ah, isso é o que precisamos inventar sempre.
De qualquer forma, quem está nos palácios sempre teme as pessoas reunidas nas praças. Pensando nisto inventaram a polícia.

No caso da greve que estamos fazendo há muito o que dizer.
Me tocou o minuto de silêncio da última assembléia, em homenagem ao líder negro que morreu e aos dois líderes assassinados esta semana no Pará (no mesmo dia da votação do novo e famigerado Código Florestal).
O silêncio daquele minuto foi mais impactante que os discursos inflamados.
E a frase de Marcelo Pires na parede da Câmara de Vereadores (onde fomos entrando): "Sempre que alguém lê um poema é domingo".

Mas a cena mais bela foi registrada pelo fotógrafo Jackson Zanin, para o Correio do Povo.
Mostra a professora de espanhol Maria Luíza e seus dois filhos, Gabriela e Guilherme. Ela pegou a lotação com eles e foi para a frente da prefeitura pressionar o prefeito.
Ela mais eu mais um monte de gente.
E quem não estava lá, perdeu de vê-los.

26 maio 2011

Os buracos de Porto Alegre

Hoje, às oito e meia da manhã, uma professora tentou desviar de um buraco gigantesco e seu carro capotou. É mais um buraco das ruas de Porto Alegre. Rua Fernandes Vieira.
Os moradores da redondeza já haviam pedido o conserto. Em vão.

A secretaria de obras disse que a responsabilidade era do departamento de águas. O departamento de águas afirmou que, não havendo água no buraco, o negócio não era com eles. As empresas terceirizadas nada disseram, porque terceirizaram a assessoria de comunicação.
Na disputa entre os que não queriam fazer o serviço, saiu ganhando o buraco - que aumentava a cada dia.
Depois da capotagem o buraco foi rapidamente fechado, o que gerou protestos das centenas de pequenos buracos em volta (que agora começam a trancar o trânsito).

Os buracos em Porto Alegre estão se organizando em um grande movimento. A idéia é engolir a cidade antes que as licitações das obras da Copa o faça. Inclusive há alguns comentaristas afirmando na imprensa que o movimento dos buracos já ameaça até a greve dos municipários. Os jornalistas são unânimes contra a greve, e é claro que isto não tem relação alguma com o fato de a prefeitura estar financiando uma campanha milionária de propaganda nos veículos onde eles trabalham.

Alguns engraçadinhos se apressaram em dizer que, se também caírem no buraco o secretário César Busatto e o prefeito Fortunatti, estão de acordo com o movimento dos buracos. Mas isto só pode ser coisa de extremistas de esquerda, sempre dispostos a manchar a honra ilibada destes ilustríssimos senhores.

Nas universidades surgiu a Teoria Geral dos Buracos. Depois de análises profundas sobre a história recente de Porto Alegre, passou-se a falar em "buraco do mundo". Estes estudos apontam para uma capital cada vez mais provinciana, repleta de buracos éticos e estéticos.

Há buracos enormes no pátio das escolas. Buracos extravagantes no teto do HPS. E nos alojamentos precários dos funcionários da limpeza urbana. Nos bolsos rotos dos servidores que ganham salário mínimo. Buracos obscuros na folha de pagamento da prefeitura, que fazem escorrer valores e prêmios para os mais bem pagos.

Um outro movimento já começa a se organizar, tentando questionar a hegemonia dos buracos em Porto Alegre.
Seu slogan é o seguinte:
"Ou você protesta contra os buracos, ou um dia será engolido por um deles".



Elenilton Neukamp

20 maio 2011

Paralisação dos servidores de Porto Alegre

O material enviado pela Prefeitura para as direções de escolas soa um pouco como ameaça. "Descontar os dias"; como assim? Não somos governados por um prefeito que foi sindicalista? O senhor José Fortunatti está disposto a manchar a sua trajetória política com este tipo de ameaça aos servidores? Não quer ele ser candidato à reeleição?
São perguntas que minha mente insiste em formular. Nem todas as pessoas têm preguiça de pensar, e penso até que são muitas que insistem em fazê-lo - mesmo que alguns queiram muitas vezes nos tratar como idiotas.

Aliás, como perguntar não ofende, gostaria de saber: o Prefeito Fortunatti não teria outro assessor para cumprir o papel de negociar com os servidores? Não sou membro da direção do sindicato, nem possuo qualquer autorização para falar em nome de qualquer pessoa que não eu mesmo. Mas creio que na condição de servidor e cidadão desta cidade tenho o direito de questionar. Precisamos mesmo 'engolir' a figura de um Busatto?

Se minha memória não me engana (e ela não costuma me enganar), este mesmo senhor que agora surge como interlocutor privilegiado do Prefeito, há algum tempo atrás foi afastado do Governo do Estado por conta de uma gravação feita pelo antigo vice-governador. Eu ouvi muito bem aquela gravação nas rádios, sei muito bem o que foi dito, e não posso deixar de sentir certa náusea cada vez que vejo este senhor na televisão. Como várias outras pessoas me dizem a mesma coisa, resolvi então escrever. Sei que está fora de moda no Brasil isto de ser honesto e exigir vergonha, mas assumo minha cafonice. Não quero estar na moda. Se estivéssemos num país sério, o senhor Busatto estaria em outro lugar e jamais em um cargo público.
Quando saiu do Governo do Estado, lhe perguntaram o que ele faria. A resposta foi a seguinte: "Agora serei um réles funcionário público". Hoje ele é quem fala em nome do Prefeito com todos os réles funcionários públicos de uma capital chamada Porto Alegre.

Por estas e por tantas outras é que eu vou parar na segunda-feira.


Elenilton Neukamp, professor de Filosofia.

14 maio 2011

Osama Obama

Perguntar não ofende.

E se invadissem a Casa Branca, matassem Obama (desarmado) e atirassem seu corpo no mar?
Do que seriam chamados?


Osama, Obama.
Obama nas alturas. Osama nas profundezas.
Obama Bin Laden, Barack Osama.
Terrorismo de Estado, terrorismo de facção, terrorismo midiático.

Quando surgirem os mocinhos da história, por favor alguém me avise.


Elenilton Neukamp

05 maio 2011

Eu escolho meus amigos

Eu escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Eu escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Eu tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

01 maio 2011

Delúbio, o santo

A volta de Delúbio Soares ao PT é fato que faz pensar.
Para quem não lembra, ele era o tesoureiro do partido, um dos envolvidos no escândalo apelidado de "mensalão". Talvez o apelido não seja o mais apropriado, mas não há dúvida de que se tratou de um grande esquema de corrupção.
Esquemas de corrupção não são novidade no Brasil. Este foi emblemático porque envolvia o partido político que até então se apresentava aos brasileiros como exemplo de ética e correção no trato com o dinheiro público.
Bem, na ocasião Delúbio foi expulso do PT. Claro que se tratou de um ato teatral, para dar uma "resposta" à opinião pública. Agora ele retorna ao partido, ainda que permaneça réu de um processo que envolve a ele e a uma carrada de gente (entre os quais o obscuro publicitário Marcos Valério). Dos corruptores pouco se fala.

Até aí nada de novo. Justiça foi feita. O PT apenas assume publicamente o que todo mundo já sabia: é igual aos outros, faz as mesmas coisas, participa da mesma jogada.
O que me chamou a atenção nas alegações petistas foi o vocabulário utilizado.
"Delúbio é um soldado do partido, um militante fiel", disse uma voz. Militante, soldado, fiel. As palavras se repetiram em outras falas de dirigentes partidários.
Fiel porque calou a boca e não dedurou ninguém. Soldado porque assumiu para si uma "luta" que envolve uma "causa".
Soldado, militante, fiel. Expressões que vêm de tradições militares e religiosas. Lembram devoção, abnegação, entrega. O pobre Delúbio, professor de Matemática dos confins de Goiás, vira o tesoureiro do PT e começa a mexer com muita grana. De empresários, empreiteiras, grandes bancos. Todos preocupados com o bem geral da nação, claro.
Pois em nome de um bem maior que é a chegada do Partido ao poder, eis que precisa fazer certas coisinhas não tão apropriadas para quem se diz portador de toda a ética do mundo. Mas tudo é por um bem maior, pela causa, pela Verdade. Um pequeno mal necessário para se chegar ao grande Bem.

A esquerda, de uma forma geral, se propôs a racionalizar a política eliminando dela atores e propostas que lembrassem a salvação fora deste mundo. "A religião é o ópio do povo", dizia a célebre frase de Marx - corretíssima se levando em conta o papel que a instituição Igreja cumpria na sociedade de seu tempo (e de forma geral ainda cumpre). Porém, não parece que Marx tenha pensado para um tempo breve o fim das religiões nem tampouco da religiosidade. E as massas parecem sempre precisar de novos ópios para suportar a dura realidade.
Estranha a história. Preocupados em eliminar o que chamavam de religião, os marxistas acabaram por recriá-la em outras roupagens. Alguns de seus líderes passaram a ser reverenciados como antes o eram em seus países os santos católicos. Me vem à mente agora a figura de Stálin, mas poderíamos pensar em outros. Pela direita temos Hitler, Franco e tantos outros.
Che Guevara, apesar de sua trajetória impressionante e genuína, foi transformado em estampa. A famosa foto em que aparece com o olhar mergulhado no horizonte é hoje a imagem mais reproduzida em todo o mundo. Jovens usam camisetas com sua face muitas vezes sem sequer imaginar de quem se trata.

O pensamento do que se costuma chamar de "militante" é limitado, afinal não se espera de um soldado muito mais do que cumprir ordens e lutar encarnecidamente em nome e no lugar de seus comandantes. Delúbio é um soldado, um militante exemplar. É claro que ele é apenas uma pecinha de um esquema, um instrumento. No entanto age como alguém escolhido pelo destino, ungido por alguma divindade deste mundo ou governante dele. Caminha de cabeça erguida, como quem diz: "Fiz porque há sacrifícios que precisam ser feitos pelo bem de todos". E se aparece publicamente vestindo uma camisa da seleção brasileira, é porque algum publicitário de meia tigela assim o aconselhou; talvez para confundir o expectador com uma dose de ridículo.
Além disso, como bom militante, bate de frente em seus acusadores. São infiéis, o outro lado, a mentira personificada. Quem não pensa como ele é inimigo, e ponto final.
O militante é fiel de uma causa e traz nas mãos e no peito a Verdade. Quem o acusa só pode estar ligado ao Mal, à Mentira e à Ilusão que impedem o Homem de chegar ao paraíso terrestre. Jamais um militante cometeria a ousadia intelectual de pensar na possibilidade de que pode estar errado. Seria um desvio, coisa de filósofos.

Não deve causar surpresa se daqui a alguns anos se fará para ele uma estátua. Será colocado como personagem de livros, exemplo de conduta nas cartilhas que continuarão a ser feitas apesar dos fatos e da realidade.
Delúbio é um santo. O santo do PT. Representante exemplar deste partido e de todos os outros. Porque no Brasil só existe um partido: O partido dos que querem usar o poder para seus próprios interesses.

Delúbio é um santo. Merece um feriado e homenagens no Congresso Nacional, patrocínio de nossos honestos empresários, propaganda na nossa imprensa independente e livre.
E uma estátua enorme no coração de Brasília. Com aquela camiseta amarela da seleção canarinho.