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28 abril 2011

Carta a Elenilton ou Das crenças e dos ditos: a minha palavra

Carta a Elenilton ou Das crenças e dos ditos: a minha palavra


Oi, Elenilton,

Eu acredito em Deus e em disco-voador, mas sigo adorando tudo o que escreves.
O que adoro especialmente é a doação que fazes de ti mesmo através do texto escrito, pois além de Deus e de discos-voadores, eu acredito que a autoria é a generosidade por si só. Tu te dedicares a organizar o pensamento para dizer aquilo que tens a dizer para quem possa ouvir ( para quem tu acreditas que deva ouvir, e para atingir o propósito que tu acreditas que deva ser atingido) é, para mim, um bom conceito de desenvolvimento humano e uma estimativa bem boa para estes tempos bicudos. E se quem faz isso ( diz a sua palavra) o faz de modo responsável e respeitoso, bah, aí então fico pra lá de satisfeita e seguidora do cara. Mas não te preocupes que não penso em fundar nenhuma religião Eleníltica!
Quanto às religiões mundiais, concordo que elas têm –grosso modo– sido responsáveis por atrocidades, preconceitos e desrespeito aos direitos do Homem. Elas se estabelecem ao entronizarem os mitos coletivos de uma dada época, civilização ou cultura e tornam-se responsáveis pela sua oficialidade. E fazem isso opondo o seu mito oficial ao das outras épocas, civilizações e culturas. Daí ser o seu corolário o separatismo, o dogma. A demonização do outro.
Penso, Elenilton, que a religião, como produção cultural que é, responde a uma demanda psíquica, arquetípica daquela cultura dada que a criou. E que as implicações da sua existência, sejam elas quais forem, também dizem muito da mesma cultura. Ao fim e ao cabo, são as sinapses humanas se mexendo de tal ou qual maneira, formando e reformulando conceitos. Conceitos estes, portanto, de alguma forma necessários, posto que demandados pelos cérebros oriundos das ditas culturas e civilizações. O choque de religiões, choque cultural, tendo a ver com a nossa dificuldade de - até agora – aceitarmos aquilo que não somos como também sendo A Vida.
Deus é um conceito. E – a óbvia redundância – um conceito humano. Mas isso não quer dizer que não exista. O contrário: é por isso mesmo que ele existe! Existe enquanto conceito e sua forma, seu nome, sua substância, sua maior ou menor materialidade ou espiritualidade depende da atribuição de sentidos que – humanos sinápticos que somos - possamos estar construindo.
Quando Freud criou a psicanálise, e a idéia de um inconsciente começou a circular no planeta de modo “científico” – esta a novidade - a humanidade toda começou a alcançar um conceito que dizia que, além daquilo que elaboramos racionalmente e intencionalmente, existe algo que, contudo, somos nós.
As mitologias de todos os povos e as religiões até as mais antigas sempre falaram disso, mas não de forma científica, pois que o conceito de “ciência”, esta forma de acercar-se do mundo baseada na estatística e na comprovação empírica dos fatos, ainda não havia sido dada ao pensamento humano pelos mecanismos interativos do humano cérebro, criador e inconcluso.
O que me parece ser, de modo excelente, uma mitologia humana per si, por detrás de todas as roupagens próprias de cada cultura que o conceito de Deus possa ter, é a idéia de algo que está além daquilo que é conhecido, daquilo que nos ultrapassa e que, no entanto, através de sinais, símbolos e enunciações, revela-se paradoxalmente próximo e ...humano. Isso aparece na relação entre o Ain Soph e o Iavé dos Hebreus, entre Olurum e Oxalá dos Yorubás, entre o Imanifesto e o Krishna dos Hindus, entre Deus Pai e Jesus de Nazaré dos Cristãos, entre Alá e seu profeta Maomé....
Talvez a cada eclosão de uma nova cultura – uma nova religião – algo rasga-se dentro do ser e a próxima sinapse revela mais uma ponta daquilo que tem sido dito na forma de rito, poema, oráculo, prece, cântico, recitação.... metáfora e para o que, de certa forma, os filósofos, como tu, costumam advertir desde há muito tempo: de que o absolutamente Outro ( Deus) e o absolutamente Si Mesmo ( o Homem) sejam na verdade o mesmo e de que ( é tempo) resta a este último, como já nos disse o Drummond,
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.


Ps: quanto aos discos-voadores, Elenilton, eu acredito que eles sejam uns Outros possíveis, e ( por que não?) tentando uma interlocução e até um auxílio para esse planeta tão sofrido. E que daqui a algum tempo nós vamos entrar em contato consciente com eles, como entramos com os micróbios, com as bactérias, o vento solar, a radiação, a fissão nuclear, o genoma humano, etc, etc, etc.
O que tem isso de importante? Bem, é uma crença!

Elenilton, obrigada por me despertares o gosto por responder-te!
Um abração em ti, na Ester e no Érico

7 comentários:

  1. Nossa!
    Achei esta carta tão linda, que pensei seria mais adequado que ela fosse uma postagem no meu blog.
    Muito obrigado Ana.
    O fato da minha descrença é insignificante diante de tudo aquilo com o qual a gente concorda e que faz nossos caminhos andarem juntos por essa vida.
    Muitos beijos Ana!


    Fico feliz que o textinho tenha provocado reações tão qualificadas, com exceção de uma pessoa que me chamou no Facebook de "rebeldezinho", me aconselhou a parar de ler filosofia e começar a rezar..hehehe!

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  2. Muito obrigada, querido! Aprendi contigo esse negócio de escrever em blog! Já que gostaste da carta, leia a outra que recém postei no INCLUSIVE. Ela não é endereçada a ti, mas algo me que diz que vais gostar do "estilo". Chama-se NÃO ACHO ISSO. Um abraço.

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  3. Isso foi lindo! A discussão. Elenilton, tô mais com a Ana do que contigo, nesse assunto, embora não plenamente. Embora também, na verdade, parece agora importar pouco ter "um lado" nessa discussão, perceberam? Tô emocionado.

    Entre vocês dois eu sou mais o Pessoa naquele poema do Alberto Caeiro:

    "Há metafísica bastante em não pensar em nada.

    (...)

    Mas se Deus é as árvores e as flores
    E os montes e o luar e o sol,
    Para que lhe chamo eu Deus?
    Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
    Porque, se ele se fez, para eu o ver,
    Sol e luar e flores e árvores e montes,
    Se ele me aparece como sendo árvores e montes
    E luar e sol e flores,
    É que ele quer que eu o conheça
    Como árvores e montes e flores e luar e sol.

    E por isso eu obedeço-lhe,
    (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
    Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
    Como quem abre os olhos e vê,
    E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
    E amo-o sem pensar nele,
    E penso-o vendo e ouvindo,
    E ando com ele a toda a hora."

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  4. André,
    com o Fernando Pessoa estamos todos! hehe!
    Sim, é uma troca de impressões muito bonita..nem dá pra dizer que estamos numa "discussão" (naquele sentido que o senso comum dá).
    Excluído o "eu acredito", estou de acordo com tudo que a Ana diz.. quando a gente fala que não crê, não está dizendo que é contra as crenças ou a fé das pessoas. Ao contrário. E é claro que nas religiões há sempre as pessoas esclarecidas, que não têm a interpretação grosseira que eu cito no meu texto..o problema é que são em geral minoria (ao menos assim me parece).

    PS. Este poema do Pessoa é algo, né? Já li, reli, li e reli de novo. Centenas de vezes. E continua sempre dizendo algo.

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  5. Mania de professor de Português de escrever só com muito oração subordinada...
    Quis botar um poema do Pessoa aqui também, pra acompanhar vocês, e de novo não coube.
    Gosto tanto deste poema que acho que não vale a pena cortá-lo nem um tiquinho. Então ele foi lá pro INCLUSIVE. Não lembro o título, mas é a verdadeira história do Menino Jesus.

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  6. Se estou bem de memória, acho que faz parte do poema Tabacaria..que é este negócio que arrebata o cidadão..hehe!

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  7. Não, Tabacaria é de um heterônimo chamado Álvaro de Campos, cuja característica principal é a angústia existencial e a sensorialidade nas descrições, o transbordamento emocional, a subjetividade na relação com o mundo.

    "Fiz de mim o que não soube,
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    0 dominó que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pegada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
    Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
    Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
    Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo
    E vou escrever esta história para provar que sou sublime."

    Todos os poemas citados aqui, inclusive o que eu postei no Inclusive são do Heterônimo Alberto Caeiro, nomeado o mestre dos outros três, cuja característica principal é ser antimetafísico e propugnar uma harmonia pagã e primitiva com a natureza, é
    a objetividade (descrita através do olhar para o real). As idéias de Alberto Caeiro assemelhan-se muito aos ensinamentos Zen budistas, no elogio à simplicidade, na crítica à subjetividade como afastamento da verdadeira realidade das coisas.
    Não preciso citar nem um exemplo, pois todos os citados dão uma noção clara de quem seja Alberto Caeiro.
    Um abraço
    Ana Zatt

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