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08 abril 2010

Sobre o Santo Daime

Creio que a primeira vez que ouvi algo sobre o hayauasca foi na viagem a Machu Picchu, no Peru. É claro que fiquei curioso para conhecer aquilo que os incas já reverenciavam há muitos séculos. O hauasca tem esse nome e alguns outros próximos. É um chá, uma bebida considerada sagrada pelos incas.
No Peru fala-se que a cidadela de Machu Picchu teria sido um dos últimos refúgios dos sacerdotes mais elevados e das Virgens do Sol. Ali morreram muitos e dali partiram em direção à Amazônia profunda. Em algum lugar remoto da mata densa houve um encontro. Um inca ou um grupo topou com os povos amazônicos; talvez várias nações.
Num destes verdadeiros milagres do sincretismo religioso brasileiro, um caboclo iluminado cria uma religião. Ele bebe a bebida sagrada e Nossa Senhora lhe aparece, pedindo para que construa a igreja do Santo Daime. Arrisco dizer – sem nenhuma autoridade no assunto – que o Santo Daime é a mais brasileira das religiões. Estrelas de Davi iluminam tranquilas um céu de divindades da Umbanda. Jesus vem falar com sua voz pausada aos pretos velhos. Tudo é mistura, diálogo, aceitação.
Já fui um singelo participante de alguns rituais por aí. Participei como “o estrangeiro” em longos cultos evangélicos na madrugada do Chile. Dancei com os Hare Krishna e comi seus pratos doces. Fui educado e deseducado pelo cristianismo católico. Me deleitei com danças árabes de culto, e com uma sacerdotisa se transformando em todos os animas na sua dança de origem indiana.
Sempre entrei de passo leve nos locais de qualquer culto. Embora em geral me reconheçam como um ateu sincero, quase sempre fui recebido de braços abertos pelas pessoas religiosas. De algumas delas me tornei mesmo interlocutor, o que me dá uma grande alegria. É um preconceito perigoso julgar que todo religioso é um pedófilo em potencial, ou um moralista conservador que prega castidade e pratica as maiores perversidades. Há de tudo do bem e do mal “demasiadamente humano” em todo lugar – das igrejas aos jardins de infância.
Participei de alguns rituais do Daime também. Para um certo desagrado meu de jovem urbano e meio anárquico, os rituais eram todos “excessivamente” regrados e organizados. Eu esperava um efeito muito parecido com um passeio pela sonoridade dos Mutantes ou da psicodelia rockeira dos setenta. Que nada.
Em primeiro lugar, você não bebe o Daime se não houver participado de uma celebração antes [me perdoem a palavra celebração, se ela estiver mal empregada]. Alguém que estivesse ali apenas para tirar onda, já desistiria nesse primeiro contato.
Só conheci o chá, o elemental, na segunda ida minha a uma comunidade daimista. O gosto me pareceu terrível, não me agradou de jeito nenhum. Meu estômago chegou a tremer. O veículo lhe leva para onde você guia. Como descrente, não tive as “mirações” que teria uma pessoa que crê. Mas foi no Daime que escutei, emocionado, uma leitura que só depois entenderia como sendo a iniciação dos cristãos: o sermão da montanha. Em uma igreja provavelmente eu jamais seria tocado por aquele texto, aquela conversa séria entre homens simples reunidos em uma montanha.
Quando ouço ou leio alguém que fala negativamente do Santo Daime, lembro das minhas experiências, as (poucas) vezes que o ingeri. O que me “desagradou” no Daime foi exatamente o que seus detratores não percebem: trata-se de uma religião, e uma religião extremamente séria e organizada. Você sempre é chamado de volta ao ritual. Não há nenhum sentido em ligar o chá com a loucura ou com a violência, como tenta fazer uma certa direita frígida.
Ainda bem que ao hauasca não é dado o mesmo tratamento que a outros elementais. Agora o ataque é contra o Daime, mas o alvo é a discussão maior sobre uma nova política sobre drogas.
Sempre que se fala no Brasil em mudar as leis sobre drogas, surge a mesma reação. Um certo discurso moralista se faz de bonzinho e é contra qualquer mudança. Então o tempo passa e tudo permanece como está. Polícia subindo morro atirando, repressão, violência, tráfico. A quem interessa não mudar as leis no Brasil?
Vamos falar sério sobre drogas? Eu sugiro discutir as propagandas de cerveja. Segundo a Organização Mundial de Saúde, algo como 10% da população brasileira é em alguma medida dependente do álcool. Esta é a nossa tragédia nacional. Aí está a porta de entrada para qualquer outra droga, para as mortes no trânsito, para a violência contra as crianças e contra as mulheres.
Eu quero ver a Globo, a revista Veja, Isto É etc... se negando a veicular propaganda de bebidas alcoólicas. Quando fizerem isso, vamos começar a discutir seriamente o tema drogas no Brasil. Mas não precisamos esperar por eles. Já passou da hora de mudar a legislação.
Enquanto isto não acontece, segundo o cronista Bezerra da Silva, a culpa continua sendo do vizinho que atirou a semente no quintal...

3 comentários:

  1. Gostei. Mas não precisava tomar o chá.

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  2. Massa velho. Concordo plenamente com você sobre o tema das drogas no brasil.
    "Já passou da hora de mudar."

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  3. Pois sim , tema polemico mas não acho que a regulamentação possa resolver um quadro que é de cada um , tem pessoas que são mais "afetáveis" por qualquer tipo de droga e sendo o hayauasca ou qualquer outro tipo de cha ou similar vão continuar a fazer , desculpem o termo , M..... a maldade esta na cabeça das pessoas , sim como tambem ja dizia bezerra se fez não foi por isso mas ja tinha parte com espirito mal.....poderia tclar por horas nesse assunto mas não to com muita paciencia ...abração a todos...

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